sexta-feira, 27 de abril de 2018



Desconexão Mercado Público 


Segunda-feira passada, 17h15min: depois da sessão no Conselho Estadual de Cultura, resolvo ficar no Centro Histórico para um compromisso às 19h. Caminho pela Sete de Setembro, cruzo a Praça Montevidéo, atravesso o Largo Glênio Peres e aí decido entrar no Mercado Público, com o desejo de traçar a salada de frutas da atemporal Banca 40, a mais antiga e querida da cidade. Me acomodo na cadeira, me desconecto do onipresente, onisciente e onipotente celular e peço a salada grande, sem açúcar, sorvete ou nata, num momento de chata lucidez dietética.

Fico pensando no filme Baseado em fatos reais, no qual uma pessoa vampiriza o corpo e a alma da outra e, aí, decido vampirizar um pouco as pessoas que passam pelo corredor central do Mercado. Quantas pessoas egoístas, ególatras e narcisistas andam por aí, querendo se adonar da carne, dos ossos e das almas dos outros? Pessoas baixas, altas, anãs, gordas, magras, medianas, velhas, jovens, negras, brancas, amarelas passam à minha frente.

Quase todas sozinhas. Uma moça de blusa com listras preto e branco, calça preta e sapatilhas espera por alguém, de pé. Será que ele ou ela vem? A moça se impacienta. Final feliz: a amiga chega, se abraçam demoradamente e entram, felizes, na banca da frente, talvez para comprar bacalhau, azeite de oliva, vinho ou pão sírio e patês. Nem Freud explicaria nossos seres atuais, milhões deles conectados e solitários, focados na eterna procura e circulando por aí como zumbis eletrônicos. Andei lendo dois artigos.

Um, a favor do Freud e da neuropsicanálise, que mescla psicanálise com neurologia e remédios. Outro, dizendo que Freud é fraude, um enganador, um mito que merece ser desmascarado. É briga de cachorro grande, cada um defendendo suas ideias, egos e "interesses", como dizia o tio Briza. Prefiro pensar como o esperto rabino e considerar que os dois e o Freud têm razão.

Sim, um marido queria se separar da mulher e o rabino lhe deu razão. Depois a mulher dele veio pediu divórcio e o rabino disse que ela tinha razão. Aí falou a mulher do rabino: o que é isso, você deu razão para os dois, está errado. Sabe o que mais, você também tem razão, disse o sábio rabino. É isso: defensores e atacadores do Freud têm razão. Petistas e antipetistas, chimangos e maragatos, gremistas e colorados, turmas de esquerda, direita, de centro e não sei o quê mais, têm cada um suas razões.

Também tenho as minhas razões e contradições. Como disse o Mario Quintana, contradição é quando nosso pensamento chega, por si só, ao outro polo da verdade. Tomara que apareça um "mediador da pátria" e que surjam algumas bandeiras que agradem a ampla maioria, acomodando as razões variadas. Levo uma meia hora baiana para degustar a salada de frutas e aí aparece o amigo Samir com o dono da banca da frente. Reclamo que todas as bancas têm preços de bacalhau iguais. Ele apenas sorri.

a propósito... 

Fui fraco, não resisti. Postei a salada de frutas no Face e disse que estava flanando no Mercado. Barbudões passam na minha frente. Esses barbões são fruto de novelas da Globo, contestação ou preguiça? Fidel Castro disse que, sem fazer barba, o cara ganha uns dez ou quinze minutos por dia. Fidel tinha razão e não tinha, nisso e em monte de coisas, tipo a torcida do Flamengo. Normal, demasiado humano. Sei lá se esse texto tem pé, cabeça, tronco e membros.

Sei lá se tenho razão. Não estou preocupado com isso. Estou preocupado porque tenho que sair na minha desconexão/conexão Mercado Público e ir no tal compromisso. Ah, as pessoas não parecem preocupadas com tantos assuntos aí. Elas têm razão. A verdade, a luz e a razão estão numa feijoada feita no capricho, com caipirinhas e uma ambulância por perto. (Jaime Cimenti) -

Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2018/04/colunas/livros/623995-o-ano-de-1968-e-os-direitos-humanos.html)

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