09 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA
Prisão de Lula não é para se comemorar
Senti um aperto no peito ao assistir à cena de Lula desembarcando do helicóptero no pátio da prisão, em Curitiba, com os fogos de comemoração clareando o céu noturno ao fundo. Sei que Lula tem de ser punido, sei que tudo isso é um importante símbolo para que as coisas sejam feitas corretamente no Brasil, mas ver aquilo não me fez bem.
Não devia ter sido assim. Lula errou, mas ele não se alçou ao poder para errar; ele errou porque se alçou ao poder. Lula se embriagou de si mesmo, deixou-se iludir por seu próprio sucesso. Todos faziam daquela forma, e ele fez igual. Era mais prático. Só que o Brasil mudou. O mundo mudou.
Conheci Lula de perto, entrevistei-o pela primeira vez nos anos 1980. Trata-se do típico boa-praça. Um homem simples e bem-humorado, que presta atenção às pessoas. É fácil gostar dele. Por isso, por entender a fonte do carisma de Lula, entendo o que ocorreu em São Bernardo no final de semana: aquelas cenas que dançavam entre o compassivo e o patético, aquela paixão ridícula como todas as paixões. Lula é o populista clássico e, como tal, desperta amores devotados e ódios amargos.
Seu discurso, no sábado à tarde, atendeu aos dois sentimentos: ao amor e ao ódio. Desesperado para salvar sua biografia e, se possível, sua liberdade, Lula se radicalizou de forma inédita em sua vida. Consagrou a narrativa que há anos corrói a alma do país, do "eles" contra "nós", defendeu a censura à imprensa, pregou a rebelião e até indicou os meios de ação: que queimassem pneus, que promovessem ocupações, greves e invasões.
Ao mesmo tempo, Lula tentou comover os corações: disse que ele não é mais um ser humano; é uma ideia. E, numa espécie de comunhão cristã, dividiu seu corpo entre os fiéis: ele estava em cada um, todos os que participavam daquela cerimônia estavam transmutados em Lulas.
Tudo isso, de fato, incomoda o cidadão que anseia pela volta à normalidade no Brasil. Incomoda a quem só quer viver a sua vida. Mas é preciso compreender que ali falava um homem acuado. Mais: ali falava um homem com uma história grandiosa, que sorveu grandes vitórias e que agora sofre uma grande derrota.
Talvez Lula saia em breve da cadeia. É possível. Mas não se engane: o processo pelo qual ele foi condenado é apenas um de oito. E é o menos grave. Lula subirá esse Gólgota mais vezes. Quando isso acontecer, espero que outros, que hoje ainda gozam da liberdade da qual Lula não goza mais e, pior, que ainda se refocilam no poder, espero que esses já tenham sido alcançados pela Justiça. Para que fique claro que a má conduta terá consequências para todos. Para que sirva de reflexão e de exemplo. Mas jamais de regozijo. Festejar a desgraça alheia nunca fez bem para ninguém.
DAVID COIMBRA
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