25 DE ABRIL DE 2018
PEDRO GONZAGA
CNTP
E se a crônica literária pudesse ser como a crônica esportiva: analisar um livro como se analisa um jogo, cuidando menos do resultado e mais de cabulosas polêmicas. Semanas discutindo o impedimento não marcado naquele lance em que um personagem, depois de sonhos intranquilos, acordou metamorfoseado num inseto monstruoso.
Ah, poder apelar para cabotinices como, narrador bom é aquele que não aparece, ou, se o Drummond tivesse me ouvido e apostado no Luís e não no José o placar seria outro, ou mesmo usar uma coluna inteira para debater a melhor escalação de uma obra já encerrada: o que seria de Bento Santiago caso Escobar não tivesse entrado em campo, ou de Macabea se um outro Olímpico, mais humano e paciente, saísse do reservado para salvar a partida.
Entendo. Peço muito. Mas é que já desfruto do devaneio de eleger a melhor seleção da literatura, escalada com os craques de todos os tempos. Eis meu time de detetives policiais: Dupin, Holmes, Spade, Marlowe, Poirot, Maigret, Mandrake, Miss Maple, Montalbano, Nero e Espinosa. Com divergências e considerações sobre os excluídos, quais ficariam no banco de reservas, por exemplo, eu teria material no mínimo até dezembro.
Mas admito. Futebol é paixão, e muito toleramos dos afetos, muito escrutinados em bares e assembleias de amigos. Fiquemos com coisas mais chãs. Então por que a crônica literária não pode ter ao menos as licenças poéticas da física e da química?
Quem não se lembra daqueles velhos triângulos servindo de rampa para quadrados, a simbolizar um cubo descendo por um plano inclinado? Alguém já tentou fazer isso em casa? A porcaria do cubo trava, quando não rola, sem falar que um cubo em geral guarda diversas coisas, de todo perdidas ou espatifadas ao fim do movimento. Mas sim, claro, no problema transformado em questão no caderno há que desprezar a força do atrito.
Mas desde quando se pode suprimir de um evento um item capital? Seria como tratar de Crime e Castigo sem os assassinatos de Raskolnikov, ou simplificar a Emma Bovary a ponto de até seu marido Charles ser capaz de compreendê-la. Agora acertemos que nada pode ser mais inverossímil do que a química e suas condições normais de temperatura e pressão. Quando houve isso em Porto Alegre? Combinemos o seguinte: enquanto não tivermos por aqui CNTP qualquer compromisso com uma crônica literária séria fica à espera de uma tarde de outono perfeita.
PEDRO GONZAGA
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