sábado, 21 de abril de 2018


21 DE ABRIL DE 2018
ABRÃO SLAVUTZKY

AINDA ASSIM EU ME LEVANTO


Há poucos meses, conheci Maya Angelou e foi amor à primeira vista. Há um documentário na Netflix sobre a vida dela que vale a pena ver. E foi vendo esse filme que fiquei fascinado com o seu exemplo de vida. O seu poema mais famoso é Ainda Assim Eu me Levanto (Still I Rise), que começa assim: "Você pode me inscrever na História / com as mentiras amargas que contar / Você pode me arrastar no pó, mas ainda assim, como o pó, eu vou me levantar".

Maya Angelou (1928-2014) foi uma poeta americana, jornalista, cozinheira, condutora de bondes, cantora, bailarina, diretora de cinema, entre outras atividades. Ativista dos direitos humanos na defesa dos negros e das mulheres, viveu também na África, conviveu com Martin Luther King, conheceu Nelson Mandela. Foi escolhida pelo presidente americano Bill Clinton para ler um poema seu na posse dele. 

Talvez hoje escrevo em homenagem a mulheres negras como ela e Marielle Franco, assassinada há um mês e nada ainda sobre os suspeitos do crime. Também porque lembro o impacto do que disse a cantora Elza Soares: "A carne mais barata no Brasil é a carne da mulher negra". O Brasil foi o último país a terminar com a escravidão negra no mundo ocidental. Os escravos não tinham direito a nada, a não ser servir aos brancos da casa grande. Os negros e os sofredores do mundo lutam para se levantar.

Ainda Assim Eu me Levanto é um canto ético para todos. Negros, brancos, pobres ou não, enfim, todos que vivem ou viveram quedas e perdas. Não conheci, até hoje, quem não tenha caído e sentido o chão se abrir e afundar ou quase. Admirável quem, após uma derrota, uma perda afetiva, consegue reunir forças para se levantar. Já vivi e convivo com traumas dolorosos dentro e fora do consultório. Lembro, por exemplo, de um casal que tinha vários filhos jovens e um deles, com pouco mais de 20 anos, estava muito doente. 

Ele tinha câncer e, ao longo dos meses, foi piorando e terminou morrendo. Nunca os esqueci, pois as consultas eram quase sempre com choros e muitas vezes tive vontade de abraçá-los e chorar junto. Os anos passaram e, um dia, nos vimos num supermercado. Fiquei, por segundos, parado, pois não sabia se desejariam conversar. E terminou sendo um encontro inesquecível; emocionante foi escutar como se levantaram, lentamente, diante da tragédia que viveram. Escrevo para agradecer.

A história social e a individual se encontram, convivem, são histórias que se cruzam no tempo e no espaço. Gosto de recordar que vivemos tempos contrastantes. Há os tempos de chuva e de sol, tempos de alegria e de tristeza, tempos de plantar e de colher, tempos democráticos e autoritários. Alguns afirmam que os ventos seguirão trazendo tempos de ódio e violência. Diante das tempestades, é importante não se isolar nem se desesperar. Há forças criativas e construtivas germinando.

É possível viver melhor quando se mantém a virtude do espanto. Do espanto, nasce o conhecimento, já ensinaram os filósofos da Grécia. As crianças vivem espantadas, tudo é novidade para elas. Reaprender as possibilidades de surpreender-se com frases, sentimentos, músicas, são graças diante das desgraças. Como foram os momentos de espanto com o diálogo no supermercado ou uma poesia como Ainda Assim Eu me Levanto.

ABRÃO SLAVUTZKY

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