27 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA
Uma parede derrubada por dia
O Brasil nunca fica pronto. Poucas situações são mais estressantes do que essa. Você já fez reforma na sua casa? Já fez reforma MORANDO na casa, enquanto os operários trabalham? Então você sabe do que estou falando.
O Brasil está permanentemente em reformas. Outros países fazem consertos pontuais. A educação está em crise feito uma torneira que pinga? Eles vão lá e arrumam. Certas leis são obsoletas como um chuveiro que não esquenta? Eles trocam. É normal, casas e países precisam de reparos a toda hora. Só que, no caso do Brasil, todo dia é preciso quebrar uma parede.
Não estou falando de uma ou outra leizinha nova. Não. Temos que mudar tudo na Previdência, no pacto federativo, nas relações de trabalho, na tributação, na educação, na saúde, na segurança. Deu um problema aqui no combate à corrupção. Dá para fazer um puxadinho? Que nada: é necessário alterar a Constituição para deixar claro aos Gilmares Mendes, Lewandowskis e Toffolis que a sociedade não aceita mais que ricos e poderosos usem os desvãos da lei para que a lei não seja cumprida.
Mas a questão é: por que é que somos assim? Por que não conseguimos chegar a um acordo a respeito da casa em que queremos viver? Por que nunca sabemos exatamente como ela deve ser?
É por causa da nossa pobreza.
A nossa pobreza nos apressa. Parece muito penoso e caro trocar toda a fiação elétrica. Então, vamos resolvendo com uma fita isolante aqui, uma gambiarra ali. Fica mais ou menos provisório, mais ou menos resolvido. De vez em quando, estoura um incendiozinho, mas a gente apaga como dá e segue em frente.
Nossa primeira grande improvisação ocorreu com o golpe de 1930. Havia pouco tempo, o Brasil decidira ser uma república capitalista e democrática. Esse é o caminho do bem, como prova a História: os países em que as pessoas vivem com mais liberdade e bem-estar são, todos, absolutamente todos, sem nenhuma exceção, repúblicas (ou monarquias constitucionais, como a Inglaterra) capitalistas e democráticas.
Mas aí veio a ditadura de Getúlio Vargas, e a democracia adormeceu por 15 anos. Aquele foi um momento decisivo. Os problemas da república poderiam ser consertados com reparos democráticos, como se faz em qualquer nação moderna. Só que essa opção é lenta e trabalhosa, e o Executivo forte dá a impressão de ser um atalho - na verdade, é um desvio.
A ditadura de Vargas foi pior do que a dos militares, porque ele tinha mais poderes. Durante muito tempo, o Brasil não teve Legislativo, não teve eleições, nem Constituição. Mas teve censura férrea e repressão duríssima.
Você talvez tenha lido o livro Falta Alguém em Nuremberg, de David Nasser. Esse alguém a quem ele se referia era o chefe da polícia política de Vargas, Filinto Müller. Nasser conta que as torturas empregadas pelos esbirros de Müller, com o consentimento de Vargas, eram mais cruéis do que as cometidas pelos nazistas nos campos de concentração. Era comum, por exemplo, enfiar um arame na uretra da vítima, deixando uma ponta de fora a fim de aquecê-la com um maçarico. Os policiais brasileiros também se compraziam em esmagar os testículos dos presos usando uma espécie de alicate chamado "anjinho", corruptela do nome do inventor do aparelho, o escrivão Higino.
Apesar disso, Vargas era muito popular e até hoje tem admiradores, porque permitiu que seu ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, avô de Fernando Afonso, criasse as leis trabalhistas. É óbvio que essas leis seriam implantadas de qualquer maneira, com ou sem Vargas - quase todo o Ocidente estava evoluindo nessa direção. Porém, é mais fácil e simples acreditar que um pai protetor vai resolver os problemas para nós. Assim, uma ditadura feroz e sanguinária passou à História como defensora dos pobres. Ou seja: mais uma vez, a nossa pobreza nos atrapalhou o raciocínio e empanou o futuro.
Vou chegar aonde prometi ontem, nas causas da perda da nossa alegria. Mas amanhã.
DAVID COIMBRA
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