terça-feira, 10 de abril de 2018


10 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA

A discussão que dá sono



Quando alguém desanda a falar em "esquerda" ou "direita", começa a me dar um sono... É quase invencível, tenho de me esforçar para não dormir exatamente onde estou, seja num programa da Gaúcha, seja numa mesa de bar. Não é que ache que esquerda e direita não existem, como dizem muitos. Existem. O problema é a teoria da evolução das espécies.

Quando Charles Darwin propôs essa teoria, no século 19, as pessoas ficaram alvoroçadas porque ele disse que nós, Homo sapiens, descendemos dos macacos. Ninguém queria ter um chimpanzé como parente, ainda que longínquo. Bastam os tios inconvenientes.

Só que, na verdade, essa não foi a descoberta mais importante de Darwin. A mais importante foi a de que o sucesso evolutivo não depende de força ou tamanho, e sim da capacidade de adaptação. Você consegue extinguir os dinossauros com um único meteoro, mas moscas e baratas são invencíveis como uma defesa formada por Kannemann e Geromel.

A capacidade de adaptação é decisiva mesmo na gestão de uma empresa, na vida de uma família ou de um indivíduo. Por mais que você tenha desenvolvido suas próprias regras, é preciso flexibilidade para enfrentar as mudanças inesperadas do destino, inclusive em coisas de aparência irrelevante: há épocas em que é necessário economizar para enfrentar uma dificuldade, mas às vezes você resolve incendiar as economias nas férias dos sonhos, e fica muito feliz por ter feito isso.

Agora imagine se você fosse obrigado a fazer tudo sempre igual. Sua vida seria um fracasso.

Em uma nação, não é diferente. É fundamental ter capacidade de se adaptar às mudanças de realidade com a maior rapidez possível, caso contrário, a derrocada será inevitável.

É por isso que dogmas ideológicos não funcionam. Eles emparedam um país. E é por isso que o debate entre direita e esquerda me enfastia. Porque é uma discussão vazia. Um governo mais à esquerda pode ser bom por algum tempo, mas chegará o momento em que ele terá de derivar para a direita. E vice-versa.

Os chineses, sempre muito práticos, compreenderam isso. Sofreram durante 40 anos sob o tacão da doutrina maoísta. Então, os dirigentes do PC perceberam que aquilo não estava dando certo e Deng Xiaoping proferiu uma das frases mais espetaculares da História:

- Enriquecer é glorioso.

Era a senha para que os chineses se entregassem ao capitalismo selvagem na economia, mantendo o comunismo selvagem na política. Os chineses são selvagens, pois. Mas são espertos.

Os Estados Unidos, de certa forma, também têm essa maleabilidade, graças ao seu federalismo funcional. Estados como esse em que moro, Massachusetts, são geridos de forma parecida com o quase socialismo dos países escandinavos. Mas no velho Sul eles são mais liberais do que Milton Friedman e Ronald Reagan juntos.

Uma nação necessita dessa flexibilidade para dar qualidade de vida aos seus cidadãos. Às vezes, eleva-se um governo com tendências liberais, às vezes um com tendências socialistas, sempre com possibilidade de mudar. Sem dramas. Com naturalidade.

As populações do mundo são dotadas dessa sabedoria. Nenhum povo é de direita ou de esquerda. Para o homem comum, pouco importa qual é a ideologia do governo. O que importa é se ele pode viver sua vida com dignidade.

O Brasil, que tem avançado graças à maturidade de suas instituições, como a Justiça, ainda derrapa nessa aborrecida discussão ideológica. Nossa elite intelectual tem poucas luzes e, mesmo quando parece refletir, apenas repete mantras. Velhas fórmulas. Velhas formas de fazer. Velhos truques que não funcionam. E que dão muito sono.

DAVID COIMBRA

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