ANTONIO
PRATA
ESTRANHOS NO NINHO
Infiltrados
no bolo
Garotos
se veem, trocam seus bolos de figurinhas e, lado a lado, escolhem as que lhes
faltam
Não
sei se marcam via redes sociais ou se a aglomeração surge espontaneamente, todo
domingo, diante da banca. Sei é que se trata de um movimento horizontal, sem
lideranças e composto, majoritariamente, por jovens. Oito, nove anos, na média,
e é bonito de ver como, já nesta tenra idade, praticam o coletivismo no melhor
espírito Occupy: os garotos se encontram, trocam seus bolos de figurinhas e,
sentados no meio-fio, lado a lado, escolhem as repetidas que lhes faltam.
A
etiqueta, logo entendi, era dar o mesmo número de figurinhas que se pegou, mas
a maioria das crianças não estava nem aí para questões contábeis. "Você ainda
não tem o Messi?!", berrou um garotinho, ao ver meu álbum, meteu a mão no
bolso e me deu o camisa 10 da Argentina. Ofereci meu bolo, mas ele o recusou:
"Já completei", disse, magnânimo e --não pude deixar de notar-- um
tanto condescendente com este colecionador bissexto que, dez dias antes da
Copa, só tinha preenchido o Irã.
Pensei
em explicar que neste país os adultos deixam tudo pra última hora, mas que
diante daquele feirão de trocas eu me enchia de esperança. Até a morte do bafo
me pareceu justificada, como se obter figurinhas estapeando-as contra o chão
fizesse parte de uma etapa ultrapassada do capitalismo, onde os mais hábeis (ou
de mãos mais suadas) acabavam rapelando os menos favorecidos pela técnica (ou
pelas glândulas sudoríparas). Foi então que chegou o sardento --e a esperança
se foi.
Trocados
nossos bolos, comecei a folhear meu álbum. "Nossa, cê não tem o Neymar?!",
perguntou o moleque. "Não. Cê tem?". "Ahã. Tenho sete, mas meu
pai não deixa eu trazer as do Brasil, ele diz que é valioso". "Hum".
"Nossa, cê não tem a brilhante da Espanha?!". "Não, cê tem?".
"Ahã, tenho três, mas meu pai não deixa eu trazer as brilhantes, ele diz
que é valioso". Aos poucos, fui percebendo que o bolo do sardento era o
ralo do volume morto da Cantareira: só dava zagueiro da Costa do Marfim,
goleiro da Suíça, reserva do Japão.
Peguei
algumas de que precisava e disse pra ele fazer o mesmo com as minhas. Só que,
em vez de abrir seu álbum, ele abriu foi um sorriso --um sorriso corrupto, devo
dizer-- e passou a tirar do meu bolo tudo o que era brilhante, jogador do
Brasil, da Espanha, da Itália. Deus do céu, cadê os pais dessa criança?! --pensei,
mas não por muito tempo: "Aê, filhão, tá esperto, hein?!", soou a
voz, orgulhosa, atrás de mim.
Enquanto
o garoto dilapidava meu bolo, fiquei olhando o pai, com ódio e tristeza: quando
a gente começa a ter fé no futuro do Brasil, surge o atraso e nos brinda com um
chubaba. Meu consolo é acreditar que sardentão e sardentinho não foram lá trocar
figurinhas: eram P2, PMs infiltrados para deslegitimar o movimento.
¡No
pasarán!
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