27 de setembro de 2016 | N° 18645
DAVID COIMBRA
A unha do dedo minguinho
Conheci um cara que tinha a unha do minguinho bem comprida, maior do que as outras. Era a unha da mão direita, acho. Ele andava sempre por perto da casa do meu avô, na Rua Dona Margarida, e parava na sapataria dele para conversar. Não lembro do que fazia, não lembro do conteúdo do que falava. Da unha, jamais esquecerei.
Via-se que era unha mantida com zelo. Era mais lustrosa do que as outras nove e na certa ele a lixava criteriosa e diariamente. Uma unha de estimação, por assim dizer. Prolongava-se do dedo, como um istmo, por mais de um centímetro.
O homem conversava gesticulando, brandindo a mão que portava a unha como se empunhasse uma bandeira. Eu não conseguia tirar os olhos do minguinho dele, achava aquele dedo muito especial. Em casa, olhava para o meu próprio minguinho e cogitava: deveria parar de cortar a unha?
Uma vez disse isso para a minha mãe e ela quase vomitou. Falou que aquilo era um nojo e que era coisa de cobrador de ônibus. Ora, não tenho nada contra cobradores de ônibus, parecem-me trabalhadores dignos, mas a argumentação não comoveu minha mãe.
Passaram-se os anos e minhas unhas prosseguiram com seu corte ortodoxo.
Um dia, ao entrar no Linha 20, que fazia o trajeto para o IAPI, fui cruzar a roleta e, ao olhar para a mão do cobrador, além de um maço de notas dobradinhas na horizontal, o que avistei? Sim, você acertou: a unha do minguinho dele era maior do que as outras, prolongava-se orgulhosamente do dedo, feito um trampolim que se prolonga da piscina.
Fiquei fascinado. Então minha mãe estava certa: tratava-se, realmente, de um costume dos cobradores de ônibus. O que me fez especular: será que o sujeito de quem me lembrava, lá da Dona Margarida, era cobrador de ônibus? Se fosse, por que os cobradores de ônibus usam as unhas dos minguinhos salientes? No que isso lhes facilita a lida diária? Será um código profissional?
Não é por nada disso. Descobri apenas na semana passada, ao ler o jornal. A matéria contava que, agora, meninas de Nova York estão raspando totalmente os cabelos. Ficam carecas, os crânios lisos como nádegas.
Puxa vida, cabelos são fundamentais para a aparência. Não por acaso, os muçulmanos proíbem as mulheres de destapar a cabeça. Para um muçulmano, uma cabeleira de Gisele Bündchen é perturbadora. E, vamos convir, para um cristão também. E para um judeu. E para um budista. E para um ateu.
Sendo assim, por que as jovens nova-iorquinas estão raspando os cabelos e tornando-se Espiridianas Amins?
Uma moça, entrevistada na reportagem, deu a resposta:
– Nunca me senti tão forte como agora, sem os cabelos.
Um Sansão do avesso. Só que a força que ela sente não vem da cabeça nua; vem da ideia de ser diferente. Ela se afirma como indivíduo, graças à distinção.
Hoje, mais do que nunca, alguém que se distingue, mesmo que pela bizarrice, atrai admiradores e às vezes até seguidores.
Olhe para Donald Trump – ele leva uma franja folclórica na frente da testa e várias ideias folclóricas atrás. Deveria ser apenas isso mesmo: um folclórico. Mas, devido ao monótono bom senso da sua adversária, pode se eleger presidente dos Estados Unidos. No Brasil é igual: os ponderados merecem bocejos; os bizarros, veneração religiosa. Bem. Talvez eu deixe crescer a unha do minguinho.
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