22 de setembro de 2016 | N° 18641
DAVID COIMBRA
Minha entrevista com Sergio Moro
Tenho de escrever sobre a entrevista que fiz com o juiz Sergio Moro, nesta semana. Afinal, trata-se de coisa rara – o homem não é de falar com jornalistas.
Duas de suas manifestações chamaram-me a atenção na conversa. Uma não foi publicada. Foi quando comentávamos a respeito do fato de eu morar em Boston. Supus que ele conhecesse bem a cidade, por ter estudado em Harvard. Moro me corrigiu de imediato, esclareceu que não viveu aqui e menoscabou a relevância do curso que fez.
– Foi um programa bem específico, de duração breve. Não tem tanta importância assim. Consta no meu currículo só como registro.
Lembrei-me de que, algum tempo atrás, foi realizado, em Harvard, um rápido seminário sobre o futebol brasileiro. Fui convidado a “palestrar”, digamos assim, junto com outros três ou quatro jornalistas com experiência na área. Tudo bem, fui lá, deitei falação, salvei o futebol brasileiro e depois fomos jantar em um restaurante italiano.
Enquanto saboreávamos o tradicional prato ítalo-americano de massa com almôndegas, eu e o Sérgio Rangel, repórter da Folha que também participou do evento, comentávamos: “Podemos dizer que demos aula em Harvard”. Era brincadeira, mas muita gente boa faz exatamente isso. O cara conclui um curso de fim de semana e coloca no currículo: “Formado em Harvard”.
Sergio Moro, ao contrário, fez questão de ressalvar a pouca importância do seu curso. Ponto para Sergio Moro.
A outra observação dele que me fez erguer as sobrancelhas deu-se na mesma linha. Queria saber sobre os perigos que enfrenta em sua atuação como juiz, se tem medo do que pode acontecer com ele e sua família, se toma muitos cuidados... E Sergio Moro, mesmo sendo das pessoas mais expostas no Brasil de hoje, reagiu com completa naturalidade. Lembrou que outros juízes, de outras áreas, também passam por situações delicadas, também correm riscos. E deu uma declaração tão definitiva quanto conformada: “É parte da profissão”.
Podia ter feito drama, podia ter se queixado, podia ter posado de herói. Não fez nada disso. Tampouco forçou a modéstia. Foi autenticamente resignado com uma condição talvez incômoda, mas compreensível.
Uma única conversa, e ainda mais por telefone, jamais será suficiente para fazer avaliação do caráter de uma pessoa. Não se pode dizer com segurança o que essa pessoa é. Se é boa. Se é má. Mas duas ou três reações podem dizer o que essa pessoa não é. Ou não parece ser. Sergio Moro não parece estar deslumbrado com a notoriedade. Parece estar tão somente concentrado em fazer um bom trabalho. E, no caso do trabalho dele, é disso mesmo que estamos precisando.
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