13 de setembro de 2016 | N° 18633
DAVID COIMBRA
O aniversário do Joãozinho
O meu amigo Nei Manique hoje é quase um ermitão, não gosta de sair de casa, mas nos anos 1980...
Ah, os anos 1980...
Naquela época, o Nei Manique tinha uma casinha de madeira no Lote 6, bairro da parte alta de Criciúma. A casinha virou nossa sede informal. Era lá que nos homiziávamos quando os bares incompreensivelmente fechavam e a noite se tornava inóspita.
Chegávamos já alegres, devido aos vapores etílicos. Na entrada, o Nei fazia séria advertência:
– Pessoal, este é um bairro residencial. Aqui vivem famílias de trabalhadores. É preciso respeito! Portanto, peço que vocês cantem Parabéns a você bem alto, para que os vizinhos pensem que estamos comemorando um aniversário. De preferência, um aniversário de criança, que é mais inocente.
Cinco minutos depois, cada um com seu copo na mão, começávamos a cantar:
– Parabéns a você! Nesta data querida! Muitas feeeelicidaaaaades...
E no final:
– É pique! É pique! É pique, é pique, é pique! Rá! Tim! Bum! Joãozinho! Joãozinho!
Todo mundo achava que Joãozinho era bom nome de criança aniversariante.
E seguia a festa. Todos animados, alguns casais já se formando, outros se deformando, e eu pensava: “Por que não reforçar para os vizinhos que estamos festejando o aniversário do pequeno Joãozinho?”. Então, puxava:
– Parabéns...
E os outros paravam o que estavam fazendo para entoar:
– ... a você! Nesta data querida! Muitas feeeeeeliiiciiiidaaadeesss...
Terminado o Parabéns, alguns gritavam Joãozinho!, Joãozinho!, e a festa ia em frente.
Mais 45 minutos se passavam. Três ou quatro pares se embolavam pelos cantos penumbrosos, um discursava sobre como salvar o Brasil, outro dormia no sofá, oito ou nove Travoltas ondulavam em volta da mesinha da sala, e aí um gaiato rompia:
– PÁ! E todo mundo, em coro:
– ...rabéns a você! Nesta data querida! Muitas feeeeeliiiciiiidaaadeesss...
E outra boa hora era consumida e ninguém mais entendia o discurso do cara que queria salvar o Brasil e um tentava tocar Vento negro ao violão e outros dois faziam miojo na cozinha e alguém gritava:
– PÁÁÁÁÁÁ... E o coro vinha:
– ...rabéns a voooocê! Nesta data queriiiiidaaaa...
Cantávamos 20, 30 Parabéns por madrugada. Desconfio que os vizinhos não se deixavam enganar. Mesmo assim, ninguém se queixava do barulho. Talvez pelo prestígio do Nei na comunidade, talvez por indulgência da vizinhança. O que é uma sabedoria. Afinal, uma festa serve para que as pessoas se divirtam, não é para fazer mal a ninguém. Por que não perdoar uma brejeirice inocente?
Anos 1980. Nem faz tanto tempo assim.
Será que o Brasil era diferente? Será que era mais tolerante, mais leve, mais fácil? Ou será que nós é que éramos mais jovens?
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