quarta-feira, 14 de setembro de 2016



14 de setembro de 2016 | N° 18634 
PEDRO GONZAGA

O PADRINHO


Entrei na faculdade de Comunicação no tempo do Itamar, antes dos efeitos econômicos do Plano Real. De meus colegas todos, apenas um tinha carro, um fusca, dos antigos, não o modelo reeditado pelo quase amável senhor de topete branco que nos presidia. Valoroso fusca. Valorosas caronas do Renan. Sem elas, teríamos sofrido bem mais com a cadeira de informática no Vale. Para quem chegava de coletivo, havia que vencer uma escada tão grande que não surpreenderia encontrar por ali fiéis pagando penitência ou um dourado Buda a nos esperar no topo.

No ano seguinte, em plena Ipiranga, com o real já pareado ao dólar, o Renan declarou de súbito: “Que vontade de ir pro Paraguai”. Lá, ele poderia comprar a mais nova placa de fax-modem, cuja velocidade estonteante assombraria os ninformáticos de hoje: 14k. Eram tempos ainda modestos. Ter um CD player portátil era um luxo, viajar para Ciudad del Este, o equivalente aos atuais mochilões pela Europa.

Táxi era proibitivo. Morador da Zona Sul, e para não ter de esperar o primeiro ônibus da manhã depois das festas, muitas vezes abusei da hospitalidade de outro colega que vivia atrás da faculdade, o Juliano, amigo com quem acabei tendo uma banda que mais parecia um experimento dadaísta, pois uns ouviam grunge, outros hard rock, eu tocava sax e só escutava jazz. Éramos radicais na estética, mas não na política. Penso que se tocássemos hoje, antes da recente crise, estaríamos entre a cruz e a espada de pregar a ostentação do sertanejo universitário ou desfilar nossos desencantos juvenis como seguidores dos Los Hermanos.

É duro admitir o quanto somos filhos do tempo. Lutamos para afirmar nossa individualidade contra este pai imortal, também contra nossos padrinhos que são as gerações passadas, mas perdemos. Lutamos e perdemos e envelhecemos, até que nossa única revanche seja transformar nosso passado numa esfera metálica capaz de estremecer o presente das futuras gerações.

Não é fácil se tornar padrinho, nem sentir essa feia euforia que me veio com a atual recessão, não ser capaz de represar a alegria maligna de dizer aos adoradores do esbanjar: Ciroc não é tudo. Para as mágoas, agora é vodca de plástico. Quanto àquele camaro amarelo, melhor sonharem com a brasília amarela dos Mamonas.

Já padrinho, pelos séculos dos séculos.

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