sábado, 10 de setembro de 2016



10 de setembro de 2016 | N° 18631
L.F. VERISSIMO

Teoria furada


Os números finais da Olimpíada sempre provocam o que pode ser chamado de sociologia de resultados. Surgem teses sobre as causas sociais e políticas de triunfos e fracassos, e a quantidade de medalhas ganhas passa a ser um medidor de virtudes nacionais. Mas, como toda sociologia instantânea, esta tem dificuldade em lidar com o que não é óbvio. Obviamente, ganham mais medalhas os países mais bem alimentados e ricos, que podem investir mais em esportes e preparação de atletas. 

Cuba seria uma exceção, pois ganha (ou ganhava, nesta Olimpíada nem foi tão bem) medalhas em desproporção ao seu poderio econômico e a sua dieta alimentar. Mas aí a explicação também é óbvia: países socialistas tradicionalmente usam o esporte como propaganda, seu investimento desproporcional é na competição ideológica. Mas há outras exceções que desafiam as teses. E muitas vezes levam a fantasias, como a teoria do leão.

Sociólogos de ocasião desenvolveram a tese de que o sucesso de atletas africanos em corridas de fundo devia-se ao fato de terem se criado num ambiente em que poder fugir do leão era condição para a sobrevivência. Uma condição que se sobrepunha a todas as outras. O leão predador, claro, quando não era um leão de verdade, era uma metáfora para todos os perigos da floresta que obrigavam as pessoas a terem pernas ligeiras, e agilidade inata, para não morrer. 

Havia vestígios da teoria do leão na velha ideia de que a ascendência africana explicava a habilidade dos brasileiros para o futebol, que ninguém no mundo igualava. Qualquer jogada do Pelé teria, entre os seus antecedentes remotos, um meneio para escapar do leão.

A teoria do leão, que é uma teoria sobre a inevitabilidade, pois diz que um certo tipo de ambiente só pode produzir um certo tipo de atleta, sofreu um duro golpe quando apareceu, numa Olimpíada de inverno, aquela equipe de trenó – da Jamaica, onde nunca nevou! 

A importância do leão na vocação para o futebol é desmentida cada vez que se vê um Messi fazer em campo o que só se esperava que um afrodescendente fizesse. E, se ainda fosse preciso um dado para mostrar como a teoria do leão é furada, bastaria lembrar que o país que tem a maior costa contínua e algumas das piores estradas do mundo produz mais campeões de automobilismo do que de natação.

Não fomos tão mal assim na Olimpíada do Rio. Nos casos em que poderíamos ter ido melhor, perdemos para o nosso emocionalismo. E ganhamos de todos nas categorias choro convulsivo e lamentação em equipe. No fim – esta é a minha teoria –, os Jogos Olímpicos são entre os de sangue quente e os de sangue frio. Os de sangue frio ganham sempre, mas os de sangue quente são muito mais simpáticos.

(Da série “Poesia numa hora destas?!”)

Você é o que você come,

Disse alguém, não lembro o nome.

Enganou-se do tipo de fome:

Você é QUEM você come.

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