sexta-feira, 2 de setembro de 2016



02 de setembro de 2016 | N° 18624 
DAVID COIMBRA

A diferença entre as mulheres e os homens de Brasília

Dilma, durante o longo processo de impeachment, foi o que sempre foi: dura de pedra.

O curioso é que suas dificuldades para se expressar e se relacionar com outros seres humanos chegaram a ser um trunfo em certo momento do julgamento e da sua trajetória política. Dilma passa uma imagem germânica. Chamavam-na de “gerentona”, e isso era elogio. Uma espécie de Angela Merkel de cocar. No começo do seu primeiro mandato, até a revista Veja a festejou, porque, com sua inflexibilidade, parecia que seria inflexível com o ilegal e o irregular. Dizia-se que estava se livrando do legado espúrio de Lula. Se estava, cansou-se no meio do caminho, e só a dureza restou.

A inabilidade política, viu-se então, não era intolerância com o errado. Era, apenas, o que era: inabilidade. A ponto de afugentar velhos amigos, como José Aníbal – nos seus tempos de juventude, em Minas, Dilma e Aníbal estudavam juntos, depois das aulas. Mais tarde, derivaram ambos para a luta armada. Eram companheiros. Nesta semana, Aníbal votou contra ela.

No lado oposto de Dilma, na acusação, estava a figura messiânica de Janaína Paschoal, com aquele seu cabelo de crente que chama o Hugo (o cabeleireiro, se você não entendeu). Janaína é a nêmesis de Dilma inclusive no comportamento. Ela é eloquente e passional. Na tribuna do Senado, chorou e pediu desculpas a Dilma. Não por ter ajudado decisivamente no impeachment, mas por ter ajudado a fazê-la sofrer. José Eduardo Cardozo, ladino que é, usou o discurso de Janaína a seu favor.

Foi um erro da advogada, mas ela estava sendo cristalina. Não havia nenhuma intenção subjacente ali. Era só sentimento.

A principal aliada de Dilma, a ex-ministra Kátia Abreu, não foi menos sincera. Até assumir o Ministério da Agricultura, Kátia era considerada de ultradireita, representante dos ruralistas, espécie de Ronaldo Caiado de tailleur. Empossada, transformou-se numa leoa em defesa da presidente. Nenhum petista foi tão enfático e leal quanto ela, com a refulgente exceção de José Eduardo Cardozo. No fim, Kátia Abreu fez um pronunciamento tão compassivo quanto o choro de Janaína: pediu que os senadores não cassassem os direitos políticos de Dilma para que ela ganhe um salário maior como aposentada.

Perceba como as mulheres foram protagonistas desse capítulo da história do Brasil. E não só essas. Há outras: Ana Amélia Lemos, vestida de verde e amarelo, mais racional e mais fluente do que as que citei; Marta Suplicy, inimiga de fígado e pâncreas de Dilma, aplaudindo de pé o discurso acusatório de Janaína; Gleisi Hoffmann, tão empenhada na defesa da presidente, que se queimou com os demais senadores. E outras mais, algumas vestidas de vermelho na plateia do tribunal.

Mulheres. Foram elas as personagens principais dessa história. E todas, pouco importando o lado em que estivessem, comportando-se da mesma forma: sem dissimulação. Quem era contra era contra, quem era a favor era a favor.

E os homens, onde estavam?

Estavam tramando.

Pense em Lula sentado em silêncio ao lado de Chico Buarque e seus óculos escuros. Lula parecia um coadjuvante. Na verdade, estava coordenando os movimentos de pelo menos metade dos atores.

Pense em Renan Calheiros, que só se manifestou para “sair em defesa” de seus pares. Estava esperando para dar o bote.

Pense no juiz Lewandowski e sua aparente neutralidade. Já sabia o que ia acontecer e estava preparado para exercer o seu papel.

As mulheres passaram o tempo inteiro se expondo nesse processo. Os homens passaram o tempo inteiro urdindo à sorrelfa.

O sábio rei Salomão dizia que a mulher é uma armadilha. Bem, ele não conhecia os políticos brasileiros.

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