sábado, 17 de setembro de 2016



17 de setembro de 2016 | N° 18637 
DAVID COIMBRA

O restaurante do João Gilberto

Haveremos de ir ao restaurante Antiquarius, no Leblon.

Nós, que digo, somos os 20 amigos em álacre viagem de ônibus pelo Brasil, esse projeto que colocarei em prática logo logo, você verá.

O Antiquarius é um dos dois restaurantes preferidos do João Gilberto, mas ele nunca vai lá – ele pede comida por telefone. O Antiquarius é restaurante fino, não faz telentrega diretamente, mas abre uma exceção para o João Gilberto.

Uma, não: várias.

A primeira delas é que o João Gilberto só aceita ser atendido pelo mesmo garçom. Compreensível, porque o garçom precisa ter funda paciência para cumprir essa tarefa de aparência singela, só que não: o João Gilberto fica 40 minutos ao telefone, antes de escolher o jantar. Pergunta sobre cada ingrediente dos pratos, descreve comidas que provou em alguma viagem, tece considerações e acaba pedindo sempre a mesma coisa.

O entregador também tem de ser sempre o mesmo, e na embalagem não pode aparecer a identificação do restaurante. O rapaz chega, sobe até o andar em que mora João Gilberto e deixa a comida na porta. João Gilberto não gosta de estranhos em casa, nem entregadores nem eletricistas nem hidráulicos nem faxineiras, nada. Isso fez com que o lugar se deteriorasse. Tempos atrás, a filha de João Gilberto praticamente o obrigou a passar uma temporada no Copacabana Palace, a fim de limpar e reformar o apartamento.

Às vezes, o João Gilberto sente vontade de jantar com um amigo. Então, liga para o restaurante e pede comida para dois, em pacotes separados. Um, manda entregar em sua casa; outro, na casa do amigo. Aí ele liga para o amigo e eles ficam jantando e conversando horas ao telefone.

Isso é sensacional. Diz muito sobre a condição humana. Porque João Gilberto, ao ser reconhecido como gênio da música, sentiu-se livre para fazer apenas o que quer. Na cabeça dele, estava realizada a sua missão debaixo do sol. A partir de agora, o mundo que se danasse e tratasse de servi-lo. João Gilberto, assim, como que voltou à primeira infância, quando a pessoa faz exatamente isso: o que bem entende, sem concessões a quem quer que seja. É a liberdade quase que total. A liberdade do bicho.

Mas chega de elucubrar. Pensemos no nosso jantar no Antiquarius. Eu, como apreciador inamovível da comida portuguesa, sei o que pedirei: moqueca de bacalhau fresco com camarão. Ou quem sabe a famosa perna de cordeiro à moda de Braga? Ou a cavaquinha grelhada com molho de manteiga de ervas? Oh, dúvida! João Gilberto, só você pode me ajudar a decidir.

A maior frase da vida de Lula

Lula não queria fazer autocrítica quando disse que todo político, “por mais ladrão que seja”, sai à rua a cada eleição, para pedir voto ao povo.

Não. Lula fazia um discurso para os seus. A ideia não era convencer ninguém de coisa alguma; era garantir o apoio dos que o apoiam. Tanto que fez pronunciamento com a camisa do PT e “beijou o distintivo”. Lula falava aos fiéis, e eles são exatamente isso: fiéis. Ser petista, hoje, é matéria de fé.

Mesmo assim, a frase foi emblemática: “Todo político, POR MAIS LADRÃO QUE SEJA, sai à rua para pedir voto”. É uma verdade dura de pedra, comprovam-na muitos, Adhemar, Maluf, Collor... Quem mais?

É um símbolo do Brasil e da política brasileira.

Por mais ladrão que seja, o político pede voto.

Por mais ladrão que seja, o político ganha voto.

Por mais ladrão que seja, o político se elege.

Por mais ladrão que seja, o político continua roubando.

Por mais ladrão que seja, o político voltará a pedir voto.

Por mais ladrão que seja, o político voltará a ganhar voto.

Por mais ladrão que seja, o político se reelegerá.

Por mais ladrão que seja, o político roubará mais.

Lula, sem perceber, pronunciou a frase mais verdadeira da sua vida.

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