MARCOS MENDES
25/09/2016 02h04
O teto de gastos e a proteção aos pobres
RESUMO Autor, que assessora equipe econômica, defende a proposta de estabelecer um teto ao gasto público. A PEC 241, proposta pelo governo, levaria a uma racionalização das despesas que seria fundamental para o reequilíbrio fiscal, a volta do crescimento e a queda da inflação –em benefício dos setores mais pobres.
Entre 1997 e 2015, a despesa primária (despesa total menos juros da dívida) anual do Governo Central triplicou em termos reais. Isso equivale a um crescimento médio de 6,2% ao ano acima da inflação. Se a despesa continuar a crescer nesse ritmo, não haverá dinheiro para pagá-la.
Com dispêndio crescente, o governo precisou extrair mais dinheiro da sociedade. A carga tributária subiu fortemente, chegando a 32,7% em 2015, valor muito acima da média de países emergentes. Mas não se pode continuar aumentando a carga tributária indefinidamente. Os impostos já sobrecarregam as empresas e as famílias.
Arrecadação estagnada e despesa crescendo resultam em deficits primários maiores a cada ano, chegando a R$ 170 bilhões (2,7% do PIB) em 2016. Em má situação financeira, o governo acaba tendo que pagar juros mais altos, pois o seu risco de default aumenta. Deficits primários e juros mais altos aceleram o crescimento da dívida bruta, que disparou de 53,8% do PIB para 69,5% em apenas dois anos.
Quando as empresas percebem que o governo está em dificuldade financeira, passam a temer aumentos abruptos de carga tributária, aceleração da inflação e instabilidade política. As agências de avaliação de risco rebaixam a nota de crédito do governo. Nesse cenário de perda da confiança no futuro de seus negócios, as empresas, num primeiro momento, evitam investir; posteriormente, passam a demitir. Instala-se a recessão.
CICLO VICIOSO
O crescimento mais baixo prejudica a receita do governo, agravando o quadro fiscal. Entra-se em um ciclo vicioso: o desequilíbrio fiscal derruba a economia, e a retração da economia piora a situação fiscal. Estamos em situação difícil: não há como financiar o crescimento real de 6% ao ano dos gastos públicos, e a economia já acumula queda do PIB de 7% em dois anos.
É nesse contexto que se está propondo a PEC 241/2016, que estipula limite para o crescimento da despesa primária. A regra é simples: se em um determinado ano a inflação for, por exemplo, de 5%, no ano seguinte o gasto primário da União poderá crescer, no máximo, 5%.
A aprovação da PEC atuará na causa fundamental do problema fiscal –o crescimento acelerado do gasto–, sinalizando para a sociedade que o desajuste será resolvido. Haverá aumento da confiança das empresas, que retomarão os investimentos, gerando crescimento econômico. As receitas públicas reagirão, iniciando o processo de ajuste fiscal.
Ao mesmo tempo, o Tesouro Nacional precisará de menos empréstimos para financiar um deficit decrescente. Sobrarão mais recursos no mercado para financiar o investimento privado, o que levará à queda da taxa de juros, que impulsionará o investimento e o crescimento. Juros mais baixos vão desacelerar o crescimento da dívida pública. Também aumentarão a viabilidade dos investimentos privados em concessões de infraestrutura, reduzindo a necessidade de subsídios creditícios do governo aos concessionários, o que contribui tanto para o crescimento quanto para o ajuste fiscal.
A ideia de conter o crescimento da despesa gera o temor de que políticas sociais sejam afetadas, prejudicando os mais pobres. Na verdade, a população de baixa renda será beneficiária do ajuste. Estamos com 12 milhões de desempregados, que dependem da recuperação da economia para voltar à ativa. Os pobres são os maiores prejudicados pelo desemprego recorde.
Segundo o Ipea, em 2014, a taxa de desemprego era de 20% para os trabalhadores situados entre os 10% mais pobres, enquanto o índice estacionava nos 2% entre os 10% mais ricos. Além disso, os pobres não têm poupança acumulada para enfrentar o período de desemprego, geralmente não têm parentes ricos para lhes emprestar dinheiro, e seu acesso ao crédito bancário é limitado e caro.
A mais importante política social é a recuperação da economia e do emprego. Adicione-se a queda da inflação que advirá do ajuste fiscal. Os pobres são os mais prejudicados pela carestia.
Os mais pobres também ganharão com a PEC porque hoje não são os maiores beneficiários do gasto público. O Orçamento tem gordas dotações que beneficiam estratos sociais mais altos. Controlando-se a expansão desses gastos, restarão mais recursos para financiar programas que efetivamente atendem os pobres.
A queda da despesa com juros também favorecerá os pobres. Os juros são pagos a famílias de maior renda, que são aquelas que dispõem de reservas financeiras aplicadas em títulos públicos. Menor pagamento de juros resulta em redução do superavit primário necessário para manter a dívida sob controle, permitindo, mais adiante, a expansão de programas sociais. Ademais, ao facilitar as concessões de infraestrutura, a queda dos juros permitirá a expansão do saneamento básico e dos transportes coletivos.
Há também no Orçamento perda de recursos por ineficiência. Esse custo não é desprezível. Por exemplo, entre 2004 e 2014, o Ministério da Educação aumentou seus gastos, em termos reais, em 285%, mas isso não parece ter se refletido em melhoria significativa no aprendizado, em especial dos alunos do ensino médio. Nesse nível, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica mantém-se em 3,7; pela meta estabelecida, já deveria ter chegado a 5,2.
A fixação de um teto de gastos induzirá a administração pública, sujeita a maior controle do gasto, a buscar eficiência, beneficiando a todos. O Ministério da Saúde já deu a largada: com medidas gerenciais e renegociações de contrato, reduziu seu gasto anual em mais de R$ 1 bilhão.
SAÚDE E EDUCAÇÃO
A PEC também tem sido questionada por propor mudança na vinculação de recursos da saúde e da educação. A ideia é que o gasto mínimo (o piso) nesses setores deixe de ser calculado com base na receita do governo, passando a ser corrigido pela inflação. Há o argumento equivocado de que a receita crescerá mais rápido do que a inflação, de modo que a troca do indexador levaria a perda de recursos.
É incorreto comparar os cenários "com aprovação da PEC" e "sem aprovação da PEC" supondo que o crescimento econômico e o desempenho da receita serão iguais nos dois casos. Sem a aprovação da PEC e, portanto, mantendo-se a atual regra de correção do gasto mínimo em saúde e educação, o crescimento econômico e da receita serão muito baixos, implicando baixa correção da despesa mínima. Quando o PIB cai, como está ocorrendo agora, a correção pela receita é uma opção pior. Pelos dados dos últimos anos, a correção pela inflação geraria valores maiores que a indexação à receita desde o exercício de 2013. O critério proposto na PEC protege a saúde e a educação durante as crises.
É preciso computar o aumento de demanda por serviços públicos gerado pela deterioração econômica. Pesquisa recente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) apurou que, em 2016, 34% dos entrevistados pararam de pagar planos de saúde e 14% transferiram os filhos da escola privada para a pública. Se não houver a aprovação da PEC e a recuperação da economia, mesmo que seja destinada uma dotação maior para saúde e educação, haverá pressão de demanda, prejudicando os usuários.
Deve-se considerar o estrago que a deterioração econômica gera na escolaridade dos mais pobres. Entre 2015 e 2016, a taxa de desemprego para jovens entre 14 e 17 anos, apurada pelo IBGE, subiu de 24% para 39%, refletindo um quadro de abandono dos estudos em busca de emprego. Essa é uma perda para a educação que independe de haver mais verbas destinadas para o setor.
É essencial lembrar que a PEC deixa fora do limite de gastos as transferências federais para o Fundeb, que financia a educação básica, mais importante etapa educacional no fortalecimento do capital humano dos mais pobres. E a complementação da União vai justamente para os Estados mais pobres.
Nada impede que o Congresso decida alocar recursos para saúde e educação acima do mínimo (como está sendo feito no Orçamento de 2017), desde que reduza despesas em outras áreas, para respeitar o teto. Esse é um ponto que ilustra outra virtude da PEC. Ela induz o Congresso e a sociedade a definir prioridades. Não será mais possível adotar a prática atual de superestimar receitas para incluir o máximo possível de despesas no Orçamento. O Congresso recobrará o seu papel de fórum de discussão das prioridades nacionais.
Ao fortalecer a restrição ao crescimento do gasto, a PEC induzirá a recuperação da economia e do emprego; beneficiará os mais pobres; criará restrições à obtenção de privilégios por grupos de renda alta; estimulará a racionalização e eficiência dos programas públicos; e permitirá o planejamento fiscal de longo prazo. Essa medida é a primeira peça da reforma do gasto, que prosseguirá com a reforma previdenciária. Sem conter os gastos, será difícil superar o cenário de deterioração das contas públicas, baixo crescimento e empobrecimento.
MARCOS MENDES, 51, economista especialista em finanças e políticas públicas, é chefe da Assessoria Especial do Ministro da Fazenda.
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