sexta-feira, 16 de setembro de 2016



16 de setembro de 2016 | N° 18636 
CLÁUDIA LAITANO

Pós-verdade

Os 335 dias de conchavos, manobras e piruetas processuais que culminaram com a cassação de Eduardo Cunha reduziram-se, nos últimos discursos, a uma discussão “ontológica” sobre a natureza da mentira.

Carlos Marun (PMDB-MS) admitiu que Cunha pode ter omitido a verdade ao negar que tivesse contas na Suíça, mas disse que isso não significa que ele tenha mentido. “Truste não é conta, truste não é conta!”, insistiu, exercitando na tribuna o princípio goebbeliano de repetir mil vezes uma mentira até que ela soasse como verdade. Edson Moreira (PR-MG), por sua vez, argumentou que Cunha não tinha obrigação de dizer a verdade, uma vez que não havia prestado juramento. Em outras palavras, o deputado sugeriu que verdade é que nem chapéu: usa quem gosta.

O placar final mostrou que todo esse esforço retórico não valeu a saliva gasta, mas inadvertidamente os dois deputados tocaram em um ponto sensível no debate público contemporâneo – e não apenas no Brasil. A alquimia que transforma mentiras em “narrativas” e fatos em versões mais favoráveis dos acontecimentos é o tema da capa desta semana da revista britânica The Economist, que estampou a seguinte manchete: “A arte de mentir – A pós-verdade na política na era das redes sociais”.

Não que sujeitos como Eduardo Cunha, Donald Trump ou Vladimir Putin, mestres na distorção aberrante dos fatos, tenham inventado as bravatas na política. Em certa medida, a desonestidade sempre esteve associada ao poder e suas vizinhanças. 

O que parece ser um fenômeno característico da nossa época, sugere a reportagem, é a desfaçatez com que alguns políticos têm apostado na desinformação e no embaralhamento entre pensamento mágico e realidade para conquistar corações e votos – e como sucessivos desmentidos não têm sido suficientes para abalar a reputação de quem adota o discurso delirante.

A perda de confiança em instituições que costumavam balizar o debate público (governo, academia, mídia) e as mudanças na forma como as pessoas se informam nos dias de hoje são alguns dos fatores apontados pela revista como possíveis causas da proliferação das “pós-verdades”. 

Nas redes sociais, boato e informação de qualidade ficam lado a lado na timeline, e muitas pessoas são levadas a confundir o consenso da sua bolha de relações com uma espécie de certificação de autenticidade – quando, na verdade, estão apenas eliminando o contraditório do debate.

Buscar a verdade, infelizmente, não é algo que faça parte da natureza humana. Na maior parte das vezes, preferimos acreditar naquilo que confirma nossas convicções a reacomodar as ideias antigas diante de novas realidades.

A verdade, como os chapéus, já esteve mais na moda.

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