17 de setembro de 2016 | N° 18637
ANTONIO PRATA
EX-JOVEM ADULTO
“Agente não envelhece: os outros é que vão ficando mais novos.” Foi o que anotei semana passada no meu caderninho, assim que percebi ser o mais velho da reunião, numa agência de publicidade. Não chegou a ser dolorido, tenho só 39 anos e embora as costas doam toda manhã e as entradas estejam quase encontrando as saídas, lá na nuca, ainda é mais provável que eu ande de graça no ônibus por conta de um mestrado – por que não? – do que por ter atingido a assim chamada – arght! – “melhor idade”. Mas que foi estranho ser o mais velho da sala, foi.
Desde que me entendo por gente, envelhecer sempre significou sair de uma fase pra entrar, como o mais novo, na seguinte. Você está muito velho pra ser criança, passa a ser um adolescente novinho. Está muito velho pra ser adolescente, passa a ser um jovem adulto. Mas, quando fica muito velho pra ser jovem adulto, não passa a ser um velho novinho, não se transforma em um jovem ancião. Não existem tais categorias. É inevitável: daí em diante, os outros irão ficando cada vez mais novos.
Lembro bem da noite em que, num Pão de Açúcar 24 horas em Perdizes, me dei conta de que tinha saído da adolescência. Vi uns garotos e garotas comprando Smirnoffs Ice e Doritos, olhei pro meu carrinho com Omo e queijo minas e compreendi que eu já não fazia mais parte daquela turma. Eles davam soquinhos nos braços uns dos outros, riam, olhavam pra tudo com desconfiança e desdém. Eram sentimentos que pouco tempo antes eu compartilhava: a ideia de que os adultos são ridículos e medíocres, a ilusão de que seria possível se defender para sempre do marasmo, da acomodação e do crediário mantendo o cabelo despenteado e uma atitude rock’n’roll. Então, ali, com o sabão em pó e o queijo branco à minha frente, me senti um pouco como um punk que faz sucesso e trai o movimento. Tentei racionalizar, pensar que era preciso lavar as roupas, comer no café da manhã algo mais saudável do que as sobras frias da pizza de domingo, mas a verdade é que já estava descendo a passos largos a pirambeira que leva do Sid Vicious ao Cid Moreira.
A frustração com o fim da adolescência era consolada, em alguma medida, pelas vantagens de ser jovem adulto: ser o mais novo entre meus pares bastava para me conferir um certo status. Era como se eu cantasse Anarchy in the UK no Especial Roberto Carlos. (A vida adulta tem muito de Especial Roberto Carlos: programa de auditório, medalhões, sorrisos forçados, claques, uma perene sensação de dèja vu.)
Até que um dia, numa sala espelhada no alto de um prédio na Berrini, olho pra todos os participantes da reunião, com cortes de cabelo ousados, armações descoladas, camisas com estampas que eu entendo serem irônicas, embora não entenda a ironia, e percebo que não sou mais a novidade, não sou mais o jovem profissional. Sou tipo o tiozão careca e bigodudo tocando xilofone, atrás do Roberto Carlos.
Não estou reclamando. Não é ruim ser adulto. Digamos que sou feliz com meu xilofone. Só é um tanto desconfortável ser o único a usar um caderno em meio a 10 cintilantes iPads. “A gente não envelhece: os outros é que vão ficando mais novos”, anoto com minha anacrônica Bic. E depois: “Que diabos esse garoto quer dizer com uma camisa bordô cheia de patinhos verdes?”.
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