segunda-feira, 26 de setembro de 2016



26 de setembro de 2016 | N° 18644 
CÍNTIA MOSCOVICH

BRAVO!

Em O inverno e depois, seu mais novo romance, Luiz Antonio de Assis Brasil volta a três temas que lhe são caros: a música, o confronto entre a civilização e a barbárie e a evocação da memória através dos sentidos.

Contando a história de Julius, um músico gaúcho que estudou na Alemanha, integrante de uma orquestra paulista e que volta à estância da família para recolher-se e estudar – finalmente se encoraja a executar o concerto para violoncelo de Dvorák, sonho da vida –, o livro convoca os sentidos com uma profusão de aromas, formas, cores, texturas, sons e muita, muita música.

Fiel à busca pela essencialidade e precisão a que se entregou especialmente na trilogia de livros curtos de Viajantes ao Sul, Assis Brasil chega aqui a um meio termo entre as obras brevíssimas e as mais alentadas, aquelas de início de carreira. Com um sentido de prosódia muito refinado, o autor se mantém atento à sonoridade e à harmonia, com ritmo e encadeamento de prosa que não são menos que impressionantes.

Dono de uma ironia e de um humor muito peculiares, Assis constrói um protagonista incapaz de agir de forma espontânea e que elabora mentalmente frases com que tenta tornar lógico o cipoal de sentimentos que o assola. Ao mesmo tempo, leva seu leitor por ruas e ambientes europeus e pelo descampado do pampa e suas construções precárias, numa espécie de comunhão do melhor de dois mundos.

Ex-violoncelista da Ospa, amante inveterado de Mozart, o autor faz da música um personagem praticamente autônomo e que colore a narrativa de brilho e vida, tanto que, sem medo ao exagero, se pode afirmar que é possível ouvir evoluções de vários instrumentos - com o bônus de narrativas tão vibrantes que chegam à beira da exaltação.

Explorando as virtudes do cello, estabelecendo uma relação sensual com o instrumento, o escritor vai formando um tecido narrativo que é leve mas espesso, uma armação voluptuosa e delicadíssima, como se, com seu texto, tocasse a intimidade de um corpo - ou como se as palavras pudessem compor uma orquestra. Ou contar, como contam, uma história de amor.

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