09 de setembro de 2016 | N° 18630
DAVID COIMBRA
Igualdade não é tão importante
Roberto Campos era um pensador sólido. Eis um adjetivo importante para se empregar no caso de quem pensa, porque muitas áreas do pensamento são fluidas. São como a água, que toma a forma do que a contém. Se a água está na chaleira, torna-se chaleira; se está no copo, torna-se copo.
Isso é mais comum nas chamadas “ciências sociais”, que de ciência pouco têm. O sociólogo adapta o mundo às suas ideias. O que é fácil, se você não sai da teoria. Na prática, tudo fica mais complicado. Um famoso sociólogo brasileiro, inclusive, quando teve de aplicar suas ideias, simplesmente anunciou: “Esqueçam o que escrevi!”.
Mesmo a estatística, aparentemente fria e distante como aquela deusa de olhos verdes que jamais lhe dará bola, pois mesmo a estatística depende da intenção de quem a interpreta.
Pegue um trabalho baseado em estatística, como o best-seller de Thomas Piketty, O capital no século 21. Com os números que colheu, ele tenta demonstrar que o capitalismo gera cada vez mais desigualdade. E está correto. Como está correta uma juíza brasileira que, dias atrás, fez sucesso no Facebook ao “confessar” que usufruiu de vantagem na vida por ter nascido branca e em uma família de classe alta.
A desigualdade existe mesmo, e o capitalismo tem a tendência de acentuá-la.
Mas o importante não é o tamanho da desigualdade. O importante são as condições dos que estão do lado de baixo da desigualdade.
Vou fazer uma comparação esdrúxula, porém ilustrativa. Semanas atrás, os funcionários de uma empresa daqui, a Verizon, entraram em greve. Para comover a opinião pública, eles distribuíram um panfleto em que era citado o salário anual do CEO da empresa: 18 milhões de dólares. Ou seja: a cada dia 5, pingam mais de 5 milhões de reais na conta do homem.
Nenhum jogador de futebol do Brasil ganha isso. Não sei se alguém no Brasil ganha isso. Certo. Agora imagine que a greve tenha sido vitoriosa, e que os funcionários mais humildes da Verizon recebam hoje 10 mil dólares por mês.
Imagine também uma outra empresa, digamos, a Coimbra Empreendimentos, onde quem ganha 10 mil dólares por mês é o CEO, enquanto os funcionários ficam com a metade disso: 5 mil. A Coimbra é mais igualitária. Afinal, a margem que separa o CEO dos funcionários é muito menor do que a que separa o CEO da Verizon de seus funcionários.
Mas em qual delas você prefere trabalhar? Na Coimbra, ganhando 5 mil por mês, mas sabendo que o CEO ganha 10 mil? Ou na Verizon, ganhando 10 mil e sabendo que o CEO ganha um milhão e meio?
O mesmo raciocínio pode ser feito em relação aos países. Se você fosse coreano, preferiria ser do Norte igualitário ou do Sul tão capitalisticamente desigual?
Aquela juíza do Facebook sugere que o Estado pode corrigir a desigualdade. Piketty também.
Os dois novamente estão certos. O Estado pode corrigir a desigualdade, sim. Tornando todos igualmente miseráveis. O Estado só consegue fazer isso, mesmo que seja bem-intencionado, porque as pessoas são diferentes. Então, a igualdade é obtida por baixo: você consegue transformar o Pelé em zagueiro, mas não conseguirá fazer o Paulão marcar mil gols. É assim que funciona o Estado que busca igualdade em vez de justiça. Já o Estado que busca justiça tenta proteger quem não nasce “bem” como nasceu a nossa juíza com dramas de consciência. Uma das formas de proteção é garantir, por exemplo, ótima educação para as crianças.
Repito: para as crianças. Você não mede a justiça social de um país pela diferença que existe entre o cidadão mais rico e o mais pobre; você mede pelo tamanho da sua classe média.
Mas acabei não dizendo por que Roberto Campos tinha pensamento sólido, ao contrário de tantos outros que são líquidos como os chopes cremosos e dourados e gelados que beberei nesta sexta-feira. Deixemos para amanhã.
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