sexta-feira, 16 de setembro de 2016



16 de setembro de 2016 | N° 18636 
NÍLSON SOUZA

TRISTEZICÍDIO

Sou apaixonado pela Tristeza.

Depois do Sarandi da minha infância e do Guarujá da minha atual morada, é o bairro de Porto Alegre que mais frequento. Compro verduras e hortaliças na feirinha de produtos orgânicos que se instala aos sábados em frente à Igreja Nossa Senhora das Graças, almoço no Paseo Zona Sul, como tortas deliciosas no café da floricultura, caminho com prazer pela praça Comendador Souza Gomes (que não é meu parente), ouço encantado a gritaria das crianças e dos estudantes de rosto pintado que aproveitam o sinal vermelho para cobrar o pedágio da juventude.

Tudo é simpático na Tristeza, bairro assim batizado em homenagem ao antigo proprietário de um sítio na Vila Conceição, que atendia pelo curioso apelido. José da Silva Guimarães, contam os historiadores, teria assumido um estado de melancolia permanente por causa de perdas familiares – e acabou assumindo, também, a alcunha de “Seu Tristeza”, que deixou de herança para os tristezenses nativos e adotivos.

No último sábado, os feirantes do bairro estavam indignados:

– Querem mudar o nome da Tristeza, não vamos permitir isso! – me disse a senhora que vende ovos caipiras, antes mesmo que eu fizesse o meu pedido.

Isso que ela nem é de lá. É apenas uma frequentadora esporádica, como eu, mas já estava entusiasticamente engajada no movimento de defesa do nome tradicional. Ela e mais um monte de gente, pelo que soube. Na internet, havia uma guerra declarada. Moradores criaram uma campanha contra a suposta mudança, sob o inspirado slogan “não vai mudar, a Tristeza está feliz assim”. Alguns, precipitadamente, acusavam uma empresa construtora de responsável pela tentativa de mudança. Conhecedor do assunto, tive que jogar água fria na indignação da feirante:

– É só uma campanha publicitária, ninguém quer mudar nada. Mas é uma campanha do bem – alertei.

Não gosto de enganações, mas reconheço que a iniciativa patrocinada pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) alcançou o seu propósito de fazer com que as pessoas falassem sobre tristeza, sobre depressão e sobre esse fantasma assassino que se alimenta de silêncio.

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