quarta-feira, 14 de setembro de 2016



14 de setembro de 2016 | N° 18634 
MÁRIO CORSO

Qual é o teu grupo sanguíneo?

Imaginem um casal nos primeiros dias, depois dos olhares, quando as mãos já se procuram. Na hora do olho no olho, o mais audacioso, querendo ganhar intimidade, pergunta: qual o teu grupo sanguíneo? O outro responde com orgulho: O.

Isso faz sentido no Japão. Esse país exportou muita coisa interessante no terreno da mitologia, enriqueceu a cultura pop, cada geração teve seu “Pokémon”. Já a patacoada oriental de deduzir a personalidade de alguém a partir do tipo sanguíneo pouco pegou fora da ilha.

Um livro dos anos 70, de um jornalista japonês, fez sucesso e deu origem a muitos similares. Masahiko Nomi desenvolveu uma tipologia de acordo com os grupos sanguíneos. No subterrâneo, havia estudos antigos, retomando teses nazistas, que procuravam na biologia das “raças” traços distintivos. Depois de perder a guerra, essa teoria ficou anos adormecida.

Mas o jovem acima respondeu com orgulho porque O é o sangue do guerreiro, de gente combativa, curiosa, descontraída e popular embora rude. Nada parecido com um A, que é sangue de camponês, gente ligada com a terra, que até é sensível, organizada, atenta, meticulosa, mas ansiosa. Porém melhor do que o B, pois esses são inconstantes, egoístas, nômades, impulsivos e excêntricos. 

O AB é uma mistura pendular entre os dois últimos. Da mesma forma que o sangue, existiriam compatibilidades anímicas ou não com as outras pessoas. Esse é o núcleo do Ketsueki Gata, equivocadamente chamado de horóscopo japonês. Se você for do grupo B, pode ser que sofra Bura Hara, o nome da discriminação por grupo sanguíneo.

O fator Rh e o grupo sanguíneo foram descobertas do começo do século 20. Logo, não se pode dizer que essa classificação seja baseada em uma sabedoria tradicional. Apenas é a prova de que pensamento mítico pode usar qualquer coisa, inclusive a ciência, para alimentar seu discurso.

Nesse caso, sacia nossa paixão classificatória, tentando, a uma só vez, dar um sentido à diversidade humana, antecipar o comportamento alheio e saber um pouco sobre quem somos e por qual razão. Funciona porque mitos criam realidades, geralmente nos adequamos ao que se espera de nós. Como somos multifacetados, uma forma de obter uma identidade é arbitrariamente colocando uma moldura em torno de uma parte do todo e iluminá-la como a principal.

Encontrando crenças que pela distância desvelam seu non sense, não me acho mais esperto, fico apenas pensando em quais estou imerso sem saber. Quais seriam os minhas insensatas classificações? A propósito, não sou um B ressentido em busca de desqualificar essa doutrina. Sou um guerreiro O. Talvez aspirante a ninja das palavras, em busca dos sentidos perdidos nos desvãos das letras.

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