RUTH DE AQUINO
Fidelidade se compra?
As manobras de Dilma para angariar apoio não estão dando certo. A reforma ministerial dá frutos podres
Não, presidente Dilma Rousseff. Talvez seja tarde para descobrir o óbvio. Fidelidade se constrói, respeito se conquista, amor se cultiva. Mesmo num país em que os partidos políticos se desmoralizam a tal ponto que tudo parece estar à venda no Congresso – do voto à consciência –, Dilma percebe que é hoje uma mulher traída e uma líder mal-amada.
Não importa quantos cargos ela tenha distribuído, quantas concessões tenha feito. Não importa quantos mimos tenha oferecido a seus concubinos. Eles traem. Conspiram. Querem mais. A insatisfação costuma conduzir à infidelidade. Se até os partidos comprados traem Dilma, a rebeldia não se explica apenas pelo vício da prostituição do poder. Nem os pares de Dilma se afeiçoaram a ela – muitos, se não falam mal pela frente, o fazem pelas costas.
Toma lá. E não dá cá. De todas as derrotas sofridas por Dilma nos últimos dias – e não foram poucas –, a falta de quórum na Câmara para votar seus vetos às pautas-bomba pode ter sido a que mais a magoou. Um sinal do que vem por aí. Sua maior luta, hoje, é travada nas duas Casas, e não com juízes, procuradores, jornalistas ou eleitores. “Juntos, somos imbatíveis”, disse Dilma em Barreiras, na Bahia. Juntos... com quem, exatamente? Com senadores e deputados.
As manobras de Dilma para angariar apoio não estão dando certo. A “reforma ministerial”, de custo moral e ético muito alto, dá frutos podres. Delcídio do Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado, diz: “Acho que alguma coisa não está funcionando”. Acha mesmo ou tem certeza? O líder do PR na Câmara, Maurício Lessa, afirma: “O governo não pode achar que resolve a vida só com o PMDB”. Não mesmo. Há um novo bloco de partidos revoltados. O “baixo clero” pode ser muito baixo. O que é pior: os dois maridos oficiais – o PT e o PMDB – não estão unidos em torno da matriarca.
O elemento peemedebista Eduardo Cunha, presidente da Câmara, cada vez mais afundado em suas contas movediças, familiares e milionárias em dólares na Suíça, exerce poder avassalador contra Dilma – mas pode cair antes de qualquer um em Brasília. Comprovadas as contas secretas e a origem de corrupção, Cunha não poderá continuar a presidir a Câmara. Simples assim. Não tem moral para falar de moral. Dilma e Lula sonham em lavar Cunha a jato.
Não sinto pena de Dilma. Ela fez por merecer o pesadelo atual. Muito pior foi o pesadelo em que ela jogou o Brasil, ao usar no ano passado R$ 106 bilhões em barbeiragens fiscais para enganar o eleitor mais crédulo. Criou uma Ilha da Fantasia em que o estudante, a dona de casa, o trabalhador, o pequeno empresário, o jovem idealista, a classe média e os mais carentes se inspiraram para reelegê-la.
Dos R$ 106 bilhões, R$ 40 bilhões de bancos públicos foram usados nas pedaladas – o termo usado para adiar pagamentos e maquiar as contas públicas. Estamos, todos nós, pagando agora por isso. Nos primeiros oito meses de 2015, como foi publicado no jornal O Globo na sexta-feira, o Tesouro Nacional já repassou a BNDES, Banco do Brasil e FGTS R$ 14,4 bilhões. Objetivo? Cobrir os gastos com juros subsidiados de programas federais no ano passado. Esse é o preço, até agora, da operação-bomba para reeleger Dilma.
Nunca antes na história um presidente pedalou com um doping dessa magnitude. Nunca antes se usou tamanho artifício para mascarar uma gestão incompetente e temerária e alimentar o marketing piegas da mãe do PAC. É uma constatação financeira, técnica, nada ideológica ou política. Basta examinar os gráficos, ano a ano. São números, não palavras. Não há subjetividade nem torcida contra.
Quando Dilma vê “luz no fim do túnel”, é natural. Não tem saída a não ser parecer otimista. Jaques Wagner, o novo escudeiro imposto por Lula na Casa Civil, é só elogios: “A presidente é uma guerreira, ela opera muito bem diante da dificuldade... ela entende que (a reprovação das contas pelo Tribunal de Contas da União) é uma página virada e que a batalha definitiva será no Congresso”. Leia-se batalha para continuar a governar. Batalha para não sofrer impeachment. Para não desmilinguir.
A reprovação das contas de Dilma pelo TCU já era esperada. Mas não por essa goleada de 8 a zero. Unânime, inédita, histórica. Dilma se preocupa com o uso que o Congresso fará dessa derrota. O país tenta olhar o lado bom. O da prestação de contas. Contas fiscais e morais. Afinal, quem quer fidelidade precisa ser fiel, em primeiro lugar. Precisa ser responsável. A moeda que conta para nós é esta, a da responsabilidade com a nação e com os eleitores. Tanto a presidente quanto o Congresso deveriam saber que não é possível cobrar sacrifício ou fidelidade de quem se sente espoliado ou traído.
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