sexta-feira, 23 de outubro de 2015


Jaime Cimenti

Elis Regina, ouvido de músico

Certa vez, Elis Regina foi pedir seu registro na Ordem dos Músicos. Disse que seu instrumento era a voz. Poderia ter dito também que tinha ouvido de músico. Elis - uma biografia musical (Arquipélago, 272 páginas), do músico, compositor, arranjador, pesquisador, escritor e jornalista Arthur de Faria conta fatos como esse e muitos outros sobre Elis. É a biografia musical que a cantora há muito merecia, como escreveu Maria Luiza Kfouri na apresentação.

Mais de 33 anos depois de sua morte, aos 36 anos, Elis é como Carlos Gardel, canta cada vez melhor. Maior cantora brasileira de todos os tempos, reveladora de compositores, participante da vida pública, social e política brasileira, ela viveu num período em que não se votava para presidente e se tornou um tesouro nacional. O livro mostra as muitas razões para isso, com base em pesquisas, depoimentos, fotos e estudos sobre a profunda musicalidade da cantora.

Arthur de Faria trabalha há mais de 20 anos em rádio, é mestre em Literatura e já publicou dezenas de ensaios, artigos, livros e fascículos sobre música popular. Há três décadas dedica-se à pesquisa sobre a história da música de Porto Alegre. Produziu 27 discos e escreveu 35 trilhas para cinema e teatro. Ensina música popular brasileira no Brasil, Uruguai e Argentina. Dá para dizer que realmente é o maestro ideal para reger a história da sinfonia (ou polifonia) que foi a vida de Elis.

"Elisófilo" como pouquíssimos, Faria passou uns 30 anos pesquisando e escrevendo essa biografia musical. O autor fala da vida pessoal de Elis com parcimônia e não cai no sensacionalismo barato. Isso fica para as revistas e para o resto da imprensa marrom. A obra ressalta o lado musical de Elis, peça central de nossa cultura. 

É o que mais importa. Desde canções obscuras aos espetáculos mais fulgurantes, está tudo no livro. Episódios saborosos e dramáticos envolvendo a Pimentinha não faltam, claro, como a briga com Bôscoli. Mitos são desfeitos. Depoimentos de instrumentistas, compositores, produtores e arranjadores falam da guria perfeccionista de Porto Alegre que ganhou o mundo. Elis dedicou a vida à valorização e à proteção dos músicos.

Um dos melhores momentos do livro é o encontro de Elis e Tom Jobim nos Estados Unidos, quando gravaram o que muitos chamam de "o LP brasileiro da década", com pérolas como Águas de março, que muitos consideram como uma das dez músicas mais bonitas do século XX. Muitos consideram esse disco o melhor de Elis. Tom há dez anos não se apresentava no Brasil e Elis e ele, em São Paulo, fizeram o show histórico, que deixou o maestro feliz com o fato de, novamente, ser admirado no Brasil.

Nas páginas finais do livro, o fim repentino da viagem de Elis, que, aos 36 anos, quando estava no auge, fez muitos brasileiros chorarem e 25 mil fazerem fila para lhe darem adeus no Teatro Bandeirantes, palco do lendário show Falso Brilhante.
a propósito...

A qualquer momento, uma edição das cinco horas de material que Roberto de Oliveira e equipe registraram durante as gravações de Elis e Tom deve aparecer. Que seja rápido. Que venham logo as preciosidades. Maria Rita e Pedro, filhos de Elis, têm, como todo mundo sabe, carreiras estabelecidas como cantores e João Marcello, filho menor, dirige a Trama, gravadora que fundou em 1997. 

Seu Romeu, pai, morreu em 1984, dois anos depois da estrela. Dona Ercy, mãe de Elis, morreu em 2014, com 92 anos e Rogério, irmão, morreu em 1996 num acidente de moto. Elis Vive! Elis canta! Sempre foi uma estrela. Continua. Voz do Brasil. 

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