18 de outubro de 2015 | N° 18328
PAULO FAGUNDES VISENTINI
A Rússia nos céus da Síria
Após quase três anos, a guerra civil síria havia caído na estagnação e ocupava menos espaço na mídia. Mas então, em fins de 2013, surgiram as forças do Estado Islâmico, um novo ator vindo do Iraque. Em meados de 2015, outro inesperado elemento emergiu, com o imenso fluxo de refugiados entrando na Europa, que passou a viver uma crise humanitária até então distante. É difícil crer que tal fenômeno tenha sido, por sua amplitude, apenas um movimento espontâneo, pois ela não seria possível sem a tolerância turca.
Agora, o longo e sangrento conflito ganha novo e inesperado ingrediente: os bombardeios aéreos russos. Moscou já apoiava o regime de Bashar al-Assad, da mesma forma como a Europa, os EUA e as monarquias petrolíferas do Golfo apoiavam a oposição armada. Essas últimas, por sua vez, ainda que negando publicamente, prestavam auxílio ao Estado Islâmico, o qual, frente à tímida reação do Ocidente, ganhava posições contra ou
tros grupos insurgentes e, especialmente, contra o governo sírio.
Então, tomando as necessárias precauções diplomáticas, Putin passou a desencadear ataques aéreos contra os insurgentes islâmicos, além de ampliar o envio de armas e assessores. Isso constitui algo inédito. Na época da União Soviética, a única ação militar aberta, fora de sua área reconhecida de influência, foi no Afeganistão – e mesmo assim em defesa de um frágil regime comunista em setor sensível e estratégico da sua fronteira. Portanto, é a primeira vez que o país se envolve diretamente em um conflito longe de casa e demonstrando grande capacidade logística.
Não se trata apenas de um novo degrau na escalada do conflito do Oriente Médio, mas também de mais um passo na reafirmação da Rússia. Mais um sinal de que a política mundial avança, cada vez mais, em terreno desconhecido, pois isso era impensável há poucos anos. A anexação da Crimeia fora apenas uma ação pontual num território povoado, majoritariamente, por russos, dentro do antigo espaço soviético.
Se a China revela um crescente poder econômico, com capacidade de se defender (mas nunca se envolvendo em problemas externos), a Rússia demonstra determinação para agir em novas e complicadas regiões. Sendo ela a nação de hábeis jogadores de xadrez, não deve ser um ato improvisado. Além disso o Kremlin tem desenvolvido hábil soft power para contornar a pressão Ocidental. A TV internacional russa (em perfeito inglês britânico) tem sido uma ferramenta de propaganda política moderna e eficiente.
A presença da Rússia nos céus da Síria, antes dominados pela OTAN, retrata o fim de mais de duas décadas de retrocesso. Putin logrou uma síntese entre a Rússia tradicional e a soviética e busca obter uma posição mais relevante no concerto das nações.
Afinal, o mais surpreendente é que sua ação na Síria ocorre, apesar de criticas pontuais, com a aceitação dos EUA e de relevantes nações europeias.
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