10 de outubro de 2015 | N° 18320
CLÁUDIA LAITANO
Ansiedade da notoriedade
O nome dela é Elena Ferrante – ou não. Muitos críticos e leitores acreditam que Ferrante é uma das vozes mais poderosas da ficção contemporânea, mas, se um dia ela vier a ganhar o Nobel de Literatura, é pouco provável que sua foto apareça nos jornais no dia seguinte. (No Brasil, o único livro dela já traduzido é o romance A Amiga Genial, lançado neste ano pela editora Biblioteca Azul, e que você deveria incluir na sua lista de desejos para a Feira do Livro.)
Ninguém sabe quem é a pessoa por trás do pseudônimo, além de que provavelmente é uma mulher italiana, de pouco mais de 70 anos, que passou a infância em Nápoles – e sabe escrever como o diabo. Em 1991, a autora mandou um manuscrito para os editores italianos Sandro e Sandra Ferrari, donos de uma pequena casa editorial, explicando que não gostaria de se identificar, dar entrevistas ou fazer sessões de autógrafos. Se os livros fossem bons, falariam por si mesmos. Falaram.
Hoje, Ferrante dá entrevistas, poucas, sempre por e-mail e através da intermediação da editora. Em agosto, respondeu longa e detalhadamente às perguntas da escritora Elissa Schappell, da revista Vanity Fair. O mistério a respeito da sua identidade, como não poderia deixar de ser, foi um dos tópicos da conversa.
A escritora explicou que a decisão de não usar a própria identidade para promover seus livros foi libertadora – e é definitiva: “Decidi, há mais de 20 anos, me libertar da ansiedade da notoriedade e da necessidade de fazer parte do círculo das pessoas bem-sucedidas, aqueles que acreditam ter conquistado sabe-se lá o quê. Esse foi um passo importante para mim. Hoje, graças a essa decisão, sinto que conquistei espaço para mim mesma, um espaço de liberdade, onde me sinto ativa e presente. Desistir disso seria muito doloroso”.
Alguém que abre mão da “ansiedade da notoriedade” torna-se imediatamente um enigma quase irresistível em uma época em que mesmo os anônimos (ou mais ainda os anônimos) parecem tomados pela urgência do reconhecimento e da repercussão – e cada vez mais gente apela a gestos extremos de exposição de intimidade na esperança de alcançar algum tipo de capital social.
Nesse ambiente, apagar qualquer rastro de identidade parece mais do que uma mera estratégia para preservar a liberdade criativa e a privacidade. Em 2015, ser adorada por milhares de leitores no mundo inteiro (esta leitora que vos escreve, inclusive) e não desfrutar a fama é quase um gesto de resistência. Quando tudo em volta parece ruidoso, exposto, compartilhado, Elena Ferrante nos convida a refletir sobre recolhimento, pudor e silêncio – além de escrever como o diabo.
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