14 de outubro de 2015 | N° 18324
DAVID COIMBRA
O fim das mulheres nuas
Houve um tempo em que mulher nua era coisa rara. Quando nós éramos guris, tinha uma vizinha do Amilton Cavalo que lavava roupa só de calcinha, no tanque da área de serviço. Ocorre que a área de serviço dava para o poço de luz do prédio. Então, nós nos reuníamos no apartamento do Amilton, que ficava em frente ao apartamento dela, e espreitávamos angustiadamente pelas frestas da veneziana.
Ela era loira, baixinha e troncuda. Não se podia dizer que fosse bonita, mas não havia nenhuma outra mulher pelada nas cercanias. Assim, ficávamos felizes com a nossa pelada. Ela rendeu muitos planos de abordagem, nenhum posto em prática.
Naquele tempo, não existiam revistas masculinas no Brasil. De repente, alguém aparecia com uma revista sueca. A Suécia sempre foi mais avançada em tudo. Na Suécia, havia algo chamado “sexo livre”, meu Deus. Com a revista sueca bem escondidinha dentro da camisa, corríamos para os fundos dos prédios ou para os matinhos do Alim Pedro. Todas aquelas loiras nuas, fazendo... coisas. Eu nem acreditava que aquilo pudesse ser verdade.
Tudo que envolvia mulheres era muito misterioso. Havia um debate sobre o beijo na boca, com língua e tudo mais. Alguns se diziam detentores de uma técnica especial de beijo de língua. Aquilo me deixava apreensivo. Como exatamente se beijava “de língua”? O que a língua tinha de fazer? Enroscar-se na língua da menina? Lamber-lhe os dentes, feito numa faxina odontológica? Invadir-lhe a garganta até tocar nas amígdalas? Raspar o céu da boca? Eu não sabia! Mas não tinha coragem de perguntar para ninguém.
Quando eu e minha primeira namoradinha de verdade nos beijamos na boca pela primeira vez, nos degraus do edifício em que morava uma amiga nossa, me deu uma tontura. Juro que deu. E quando essa namoradinha, vestindo um inesquecível shortinho branco que ela tinha, me deixou tocar em suas coxas morenas e luzidias, estando nós dois sentados no Fusca verde do pai dela, que ela havia roubado a chave para que tivéssemos um cantinho para namorar, quando isso aconteceu, Cristo!, voltei para casa, deitei no sofá e levei algum tempo para me recuperar da emoção.
As mulheres eram seres especiais, diferentes, fascinantes, inexplicáveis. Donde, nosso apego pela Playboy, a primeira revista brasileira que desnudou mulheres inatingíveis. Mulheres das quais não conseguiríamos tirar a roupa naquela época. Nem hoje. Nem nunca. Quem tirava? Algum babaca, é claro. Sempre tem um babaca.
Agora, a Playboy americana anunciou que não vai mais tirar a roupa das mulheres. A brasileira seguirá inevitavelmente por esse caminho. Alegam que hoje há inflação de mulheres peladas na internet. Ninguém paga pelo que pode ter de graça...
Tudo bem, a vida muda, o mundo muda, tudo muda. Os guris de hoje não são mais bobos como éramos. As revistas têm de atender outro público. Que fazer? Paciência. Eu me conformo, que o mais sábio é se conformar. Mas a minha Playboy da Tiazinha, essa, como as boas lembranças, estará sempre comigo.
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