11 de outubro de 2015 | N° 18321
MARTHA MEDEIROS
Nós, os primogênitos
Nós, os filhos mais velhos, fomos a origem de uma emoção colossal, já que a experiência inédita de se tornar mãe e pai se deu através do nosso nascimento. Esse exagero de amor e de expectativa em relação a nós deve ter surtido algum efeito positivo em nossa formação, afinal, fomos os protagonistas do primeiro parto, do primeiro choro, do primeiro dentinho, das primeiras mil fotos clicadas. Não é possível que o primogênito não se sinta um astro de cinema. É muito fanatismo por uma criatura de cerca de 50 cm e pouco mais de 3 quilos.
Dizem que a saúde emocional de cada ser humano é proporcional aos cuidados que recebeu nos primeiros dois anos de vida. Sobre isso já li. Então, se nesse curto período tudo transcorreu como nos comerciais da Johnson & Johnson, o primogênito se tornará um cidadão seguro e confiante. Pois é.
Só que logo depois vem outro filho. Os pais, já tarimbados, se permitem relaxar um pouco. Se antes a chupeta caía no chão e eles lavavam em água fervente, agora o bico cai, eles dão uma assoprada e recolocam na boca do segundinho, que sobrevive. Se eles foram quase xiitas com o primeiro filho, tal era o medo que ele quebrasse, com o tempo descobrem que existe algo chamado anticorpo, e, afinal, para que tanto stress? O filho mais velho, tão ajuizado, já está até ajudando a cuidar do maninho.
Pois é, pois é.
Os pais ofertam ao primogênito um amor absoluto, o tratam como rei e têm medo que ele quebre: nada mais justo que a criança retribua, não quebrando mesmo. Nem fisicamente, nem moralmente. E assim o filho mais velho cresce focado, maduro, responsável, bom exemplo, enquanto que o que veio depois não se obriga a ser exemplo de coisa nenhuma, faz o que bem entende e sente zero culpa – não raro dá problema de montão, mas acaba sempre perdoado. É o famoso “queridinho da mamãe”. Se não é sempre assim, é quase.
Muito já acusei minha mãe de proteger meu irmão caçula, e ela sempre gargalha diante dessa queixa clássica – simplesmente diz que sou louca. E como aqui se faz, aqui se paga, minha filha mais velha me acusa da mesma coisa, diz que protejo sua irmã mais moça, e claro que me defendo dizendo que ela está maluca, para manter o ciclo ativo. E assim a vida se repete através das gerações, restando apenas nossa torcida para que no final o amor justifique tudo, inclusive as consequências emocionais das responsabilidades e mimos que impomos diferentemente a cada filho.
Só lembrando que o primogênito, cedo ou tarde, se dará o direito de pirar. Não é uma ameaça, apenas uma questão de lógica.
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