08 de outubro de 2015 | N° 18318
CARLOS GERBASE
MAS NÃO SE MATAM BARATAS?
Um grupo de estudantes de cinema da PUCRS vai fazer um filme que se passa no Brasil dos anos 1970, contando uma história que envolve repressão e tortura. Uma das boas ideias do roteiro é não mostrar qualquer imagem ou som da tortura propriamente dita, substituindo-os por uma ação simbólica: o torturador – sem fazer muito drama – esmaga uma barata que corria em cima da sua mesa.
Quando o roteiro foi apresentado em aula, perguntei como eles fariam a cena, e a resposta foi: “Ué, o ator esmaga uma barata. Qual é o problema?”. Mas, desconfiando de que havia um problema, fui me informar com uma colega bióloga. Ela, que faz pesquisas com animais vivos e domina as questões éticas nessa área, garantiu que não poderíamos matar a barata para filmar sua morte. Seria um crime, ou ao menos uma contravenção. Barata é um animal, e animais não podem ser mortos em nome de um filme, ou de qualquer outro espetáculo. Não importa se é um mosquito ou um chimpanzé, que possuem níveis de consciência bem diferentes.
Ainda tentei argumentar: “Milhares de bois são mortos, todos os dias, para abastecer as churrasqueiras dos gaúchos, e meus alunos não podem matar UMA barata?”. E a resposta foi: “É diferente. Aqueles animais servem para a alimentação”. Como não posso sugerir que meus alunos comam a barata para justificar sua morte, estamos agora à procura de uma barata falsa. Entretanto, ela deve se mexer realisticamente antes de ser esmagada, o que é um problema não muito fácil de ser resolvido. Mas será. Faremos o filme sem quebrar qualquer código ético.
Em nome dos prazeres gastronômicos dos seres humanos, bezerros são mantidos, desde que nascem, em cercados minúsculos, para que recebam uma dieta especial e não possam se locomover e desenvolver seus músculos, ficando assim com a carne mais tenra. Eles só caminham alguns meses depois, por algumas dezenas de metros, rumo ao matadouro.
Não há qualquer código de ética que os defenda dessa vida, que é uma tortura do começo ao fim, porque o fim é o alegre almoço de domingo. Enquanto isso, a barata está protegida. Não me parece muito lógico. E, se há uma lógica e um preceito filosófico que a sustente, por favor, me expliquem como tudo isso funciona, porque não estou entendendo nada.
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