29 de outubro de 2015 | N° 18339
MÁRIO CORSO
Vaidades
Quando os irmãos se dão, vão se entender toda a vida, quando se odeiam, nunca encontrarão a paz. Está é a triste sina, os meios-termos raramente comparecem. César e Augusto eram do primeiro grupo. Herdaram o nome do avô paterno, cada um a metade, e seguiram juntos como fossem um só nome, um só destino. No princípio, a idade não ajudou, tinham seis anos de diferença. Não brincaram na infância um com o outro, mas foi a única coisa que não partilharam. No colégio, César cuidava do caçula Augusto e cuidou dele até o fim da vida.
Reergueram a empresa familiar, casaram-se e tiveram filhos. Tudo seria feliz se os desmandos da vida não interviessem. Na meia-idade, um câncer arrancou César de Augusto. O caçula pensou que não pudesse seguir vivendo. Pela primeira vez, sentiu-se só. Perderam os pais, sofreram juntos e não fora fácil, mas agora, quem seria seu ombro?
No dia do velório, estava com a viúva e as sobrinhas. Ajudou a escolher o derradeiro terno. Na frente do guarda-roupa, foi tomado por uma sovinice. Sempre compartilharam roupas, os empréstimos de casacos, ternos e sapatos às vezes não voltavam ao dono original. Fazia parte da cumplicidade esse uso comum de roupas, tinham o mesmo tamanho e, de certa forma, era como se o partilhar lhes assegurasse uma proximidade que nunca estaria ausente.
Escolheu para sudário do irmão um terno que fora um erro. Era mal cortado, cor chamativa, fora de moda, enfim, aquela roupa que fica quadrada em qualquer um. Nunca entendeu como seu irmão, tão cioso da aparência, não se desfizera daquela porcaria.
Mas, pensava ele pragmaticamente, pelo menos para isso serve. Sabia que nada do irmão herdaria senão as roupas. Perdera seu parceiro, mas esses objetos do falecido seriam seu consolo. Uma franja de amarga felicidade lhe percorreu quando pensou no seu armário duplicado.
O mais duro nos espólios são as roupas, difícil imaginá-las sem o corpo que se foi. Mas suspeito que preenchê-las teria sido a intenção de Augusto, fazer algo do irmão sobreviver através de suas vestes para retê-lo um pouco mais.
Na noite seguinte ao enterro, Augusto teve um pesadelo. Seu irmão lhe apareceu vestindo o terno horroroso e lhe disse: “Você me fez passar a eternidade dessa forma?”. Augusto entendeu seu erro imediatamente. Fora fiel ao irmão a vida inteira, mas por vaidade vacilou na última hora.
Sem saber o que fazer, se desfez de todas as roupas, as do irmão e as suas. Começou a vestir-se despojadamente. Só usava roupas e sapatos informais e baratos. O mais humilde dos seus funcionários se vestia melhor. Disse que no começo foi duro, mas depois uma espécie de libertação. Só assim se sentia em paz com César.
Quando Augusto me contou sua história, a primeira frase foi de uma sabedoria que não devemos esquecer: “Nem a morte desativa a vaidade, melhor livrar-se dela em vida”.
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