sábado, 24 de outubro de 2015


24 de outubro de 2015 | N° 18334
DAVID COIMBRA

Um homem amado


Conheci cachorros chamados Nero. Cachorros antigos. Todos já falecidos, suponho. As pessoas botavam o nome de Nero nos cachorros como espécie de desagravo aos cristãos supliciados por ele. Nero tinha péssima fama entre os cristãos. Tem ainda. Porque os culpou pelo incêndio de Roma e porque, durante seu reinado, foram executados Pedro e Paulo.

Pedro, você sabe, foi a pedra sobre a qual Jesus construiu sua igreja, e Paulo foi arquiteto, engenheiro e decorador da obra. Pedro morreu crucificado de cabeça para baixo, numa cruz em forma de xis. Paulo, decapitado.

Todos os apóstolos, com exceção de João, tiveram fim violento. Uns foram apedrejados, outros acabaram chicoteados, crucificados, apunhalados... Foi por isso que, em certa passagem do Novo Testamento, Jesus disse que não vinha trazer a paz, mas a espada. Ele se referia, exatamente, aos apóstolos. Era para eles que falava, prevendo os sacrifícios que os discípulos passariam por pregar em seu nome. Já li cada interpretação torta acerca desse episódio...

De qualquer maneira, o que dizia é que Nero goza de péssima imagem devido à sua implicância com os cristãos e porque três historiadores se empenharam em difamá-lo: Suetônio, Cássio Dio e Tácito. Muito do que sabemos sobre Nero se deve a eles, só que nem tudo que sabemos é verdade.

Por exemplo: é certo que Nero mandou matar a própria mãe, a pérfida Agripina, mas também é certo que ele NÃO estava tocando cítara no telhado do seu palácio enquanto Roma ardia em chamas.

Nero foi vítima da mídia burguesa. A elite branca não gostava dele. Os pobres, sim. Porque Nero seguia alegremente a política que Juvenal denominou de “panem et circenses”, pão e circo. Quando ele morreu, tornou-se o que o rei dom Sebastião foi para os portugueses. Os romanos suspiravam esperando pelo seu retorno nos braços do povo. 

Corria uma lenda de que ele continuava vivo, e vários Neros se apresentaram como se fossem o imperador. A crença na volta de Nero vicejou pelo menos depois de 20 anos de sua morte. Um dos impostores, um homem chamado Terêncio Máximo, era parecidíssimo com ele. Andava igual, falava igual e até cantava igual, tocando harpa e tudo mais. Terêncio teve a ousadia de reivindicar a coroa, então usada por Tito, chegou a firmar um pacto com os partas, tradicionais inimigos dos romanos, mas foi descoberto e executado.

Veja que estou falando de Nero, uma espécie de Hitler da antiguidade, tão infame que seu nome era posto nos cães como vingança por suas maldades. Nero foi amado, quem diria? E o foi porque dava ao povo o que o povo queria, quer e para sempre quererá. O povo está pouco se importando para governos austeros, para responsabilidade fiscal ou para quem administra pensando no futuro.

Liberdade? É um luxo.

Igualdade? Não precisa tanto.

Precisa é ter comida na mesa, um lugar onde morar e uma cervejinha para beber com os amigos no sábado. A popularidade do governo anda baixa? Basta aquecer a economia. Ninguém tem de ser bom presidente, se tiver um bom ministro da Fazenda.

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