PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO
RETAGUARDADE AFETO
Impossível consertar se as coisas começam tão mal. No máximo, um remendo precário e toca a vida adiante.
Quando lhe chamaram de Alex, esse era todo o nome que tinha. Como mais um filho indesejado, certamente não teria escolhido nascer. Não daquele jeito. Se por pressa de se verem livres do incômodo ou por rejeição, ele desembarcou sem consulta no final do quinto mês de gestação e, para não deixar dúvida do mal amado que era, foi abandonado na rua. Ter sido colocado na tampa de um contêiner de lixo foi o tênue sinal de preocupação para que fosse visto logo e, se algum anjo estivesse atento, ainda com vida.
Foi levado a um hospital público onde fez uma parada cardíaca logo na entrada. Reanimado, aquecido e alimentado, permaneceu entre a vida e a morte durante várias semanas, sobrevivendo a uma seleção natural inacreditável. Com o passar dos meses, ficou evidente que a prematuridade, o pós-parto desprotegido e as complicações infecciosas que decorreram disso tinham deixado como sequela um retardo do desenvolvimento motor e cognitivo. A busca pela mãe resultou inútil e, depois de um ano de internação, quando alcançou condições de alta hospitalar, foi levado para uma casa de passagem, onde eram encaminhadas as primeiras tentativas de adoção, antes de as crianças serem levadas para os orfanatos.
A Iolanda, empregada doméstica e mãe solteira de dois filhos pequenos, era voluntária nesta casa e, várias vezes, preparou o Alex junto a outros coleguinhas de abandono para a inspeção de casais ansiosos por escolher os seus filhos adotivos.
Tantas vezes o ritual se repetiu, e outras tantas ele foi rejeitado que, depois de alguns meses, todos tinham entendido que o Alex nunca seria selecionado, apesar da carinha sorridente e dos bracinhos sempre estendidos em direção a qualquer estranho que significasse uma remota possibilidade de um colo.
A comemoração do terceiro aniversário do Alex foi um dia inesquecivelmente triste para todos, menos para ele, que estava animadíssimo com a agitação da festa porque ignorava que, atingida esta idade sem adoção à vista, ele devia ser levado no dia seguinte para o lar dos órfãos. Os dois anos de convívio e a afeição que o grupo desenvolvera pelo Alex explicavam as lágrimas disfarçadas de emoção que rodeavam a mesa dos doces e escaparam do controle quando várias voluntárias acorreram para ajudar o sopro fraco do Alex, insuficiente para apagar as três velinhas.
Logo depois, ele começou a circular pelo salão, de colo em colo, sem saber que cada abraço era uma despedida.
E, então, ele finalmente chegou aos braços da Iolanda. Ela, a única que não derramara uma lágrima, e ele, batendo palmas sem nenhum cuidado em dissimular a predileção. Depois de uma sessão de beijos naquela bochecha que o riso desnivelava um pouco pela paralisa facial, a Iolanda solenemente anunciou: “Meninas, arrumem a sacola com as roupas do Alex, porque ele vai pra casa comigo. Ele nasceu na miséria, vai se habituar a dividir a pobreza com a gente!”.
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