quarta-feira, 14 de outubro de 2015


14 de outubro de 2015 | N° 18324 
MOISÉS MENDES

O muro é belo


Duas coisas aparentemente improváveis que acabam nos abatendo e surpreendendo: que alguém tivesse um dia a ideia de implodir o Olímpico e que fosse possível fechar as tais comportas do muro da Mauá. Pois o Olímpico é torturado, à espera da morte que nunca chega, mas ainda está em pé, e a cidade já viu as comportas serem fechadas.

Estou entre os que achavam que o muro da Mauá era como seguro de Fusca. Você pagava o seguro durante anos, mas ninguém batia no Fusca, o Fusca não batia em ninguém, ninguém queria roubar o Fusca, nada acontecia com o Fusca, e você continuava pagando o seguro.

O muro-seguro da Mauá estava ali, não necessariamente para ser usado, mas para que o Guaíba soubesse que ele existe. O que aconteceu agora tapa a boca de várias gerações que passaram por mesas e mesas de bar tocando a corneta da inutilidade do muro.

O muro seria uma excrescência sem qualquer relação com uma ameaça real. Considerar que Porto Alegre poderia ser invadida de novo pelo Guaíba, como aconteceu em 1941, seria como imaginar a volta dos dinossauros.

Ontem, falei com meu amigo Edu Oliveira, ilustrador dos editoriais da Zero e dos meus artigos de domingo. Edu foi um dos artistas que grafitaram o muro, no início dos anos 2000, a convite da prefeitura. Pintou um peixe, que foi se esmaecendo até desaparecer.

Lembramos, eu e o Edu, que teve gente chamando os grafiteiros de traidores da causa da implosão do muro. Pintá-lo era ficar ao lado dos que pretendiam preservá-lo. Passavam blush, rímel e batom no muro, para camuflar sua feiura. É o que diziam.

Vi muitos colegas indo atrás da Maria e das outras que pretendiam acabar com o muro. Derrubar o muro era compartilhar da ideia juvenil de que a cidade seria libertada, para que todos desfrutassem o rio. Era bonito, transgressor, romântico, lírico, mas – vê-se agora – perigoso.

Lembro de um dos projetos de redesenho do muro, apresentado há uns 15 anos, que o transformava em coxilhas ondulantes. Poderíamos passear sobre o muro. Achei bonito aquilo, mas parece que ninguém deu muita bola.

Com essa enchente que ninguém previu, o Guaíba termina com o debate em torno do muro. E transborda em meio à controvérsia sobre o projeto de revitalização do cais, com shopping, edifícios e estacionamentos gigantescos. Algo o Guaíba está querendo nos dizer.

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