20 de outubro de 2015 | N° 18330
LUÍS AUGUSTO FISCHER
CIDADE É GENTE
Na minha Porto Alegre do coração, há algumas figuras fixas, marcos da minha inserção na cidade. Tenho, por exemplo, um barbeiro específico, o Santos, ali na Ladeira. Corto o cabelo com ele faz quase 30 anos. No ano que passei morando fora, precisando cortar o cabelo quatro vezes, muito lamentei por não poder sentar diante do Santos, com sua habilidade, com sua gentileza, para trocar uma ideia com ele, contar e ouvir, retomar a conversa estacionada uns meses antes e já velha de tantos tempos.
Já me mudei algumas vezes nesse tempo, mas mantive o barbeiro, porque é competente e amigo, mas também porque me faz ir ao Centro como um cidadão, um sujeito da cidade, ali onde ela tem esse jeito tão... tão porto-alegrense. A cada tanto, telefono, marco a hora para não perder a viagem e lá me vou – nos últimos tempos levando junto o Benjamim e até a Dora, que, com seus poucos anos, já aprendeu a graça de pintar as unhas com a manicure do salão.
Esses dias ligo para marcar um novo corte, e o Santos aproveita para me perguntar, meio desenxabido: “Viu que perdemos o Professor?” Não, eu não tinha visto, não sabia. “Morreu faz mais de um mês”. Nada saiu no jornal, parece que por deliberação da família. O Professor era João-Francisco Ferreira, também freguês do Santos, que alinhava sua barba impecável.
Não tenho como me desculpar do que deixei de fazer: há vários anos, eu prometia entrevistar o meu ex-professor de Cultura Latino- Americana. Avistava-o pelo Centro, de vez em quando no próprio salão do Santos, e renovava a promessa e o interesse. Queria que ele contasse como foi publicar aquele impressionante Capítulos de Literatura Hispano-americana em 1959, numa Porto Alegre tão remota. Como era ser poeta de publicação tão esparsa. Como tinha sido a experiência de aluno das primeiras turmas de Letras na UFRGS, nos anos 1940. Como fora, por dentro, o Grupo Quixote.
Por mais que seus textos possam contar de sua vida, não retive sua voz e seu testemunho. Agora vai ser como disse aquele corvo agourento: nunca mais.
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