quarta-feira, 28 de outubro de 2015



28 de outubro de 2015 | N° 18338 
DAVID COIMBRA

O robozinho


Tem um robozinho que varre a casa. Ainda compro um, quando o real tomar tenência e o dólar arrefecer. Não sou muito de comprar coisas, mas esse robozinho eu quero. Ele parece um disco voador, só que pequeno, mais ou menos do tamanho daquilo que antes se chamava LP e hoje é vinil. Você liga o robozinho, larga-o no chão e ele sai limpando tudo. Onde tem sujeira, ele vai. Passa o dia inteiro assim, a casa fica faiscando de asseio.

Do que mais gosto nesse robozinho nem é tanto sua eficiência como faxineiro, embora possa me considerar adepto entusiasmado da higiene. Falo sério. Desenvolvi um revolucionário método de lavação de louça, se você quer saber. Lavo a louça de um lauto jantar antes que você possa dizer Cucamonga sete vezes. Está certo, não sou exatamente destro em limpeza profunda, mas, para isso, sempre contei com profissionais especializados.

Esse assunto me traz recordações. Tive uma faxineira pelada, certa feita. Ela limpava meu apartamento semanalmente. Uma tarde, fui mais cedo para casa, por algum motivo. Percebi, pelo barulho, que ela estava trabalhando no banheiro. Caminhei até lá para falar com ela e... Jesus! Vi a faxineira sem nenhuma roupa, de quatro, lavando o chão afanosamente, as grandes nádegas leitosas apontando para mim, ameaçadoras. Aquilo me deixou em pânico. Engoli um grito de horror. 

Como ela não tinha notado minha presença, recuei com cuidado até a porta e saí. Só voltei quando tive certeza de que ela fora embora. A partir daquele episódio, nunca mais fui para casa sem ligar antes, no dia da faxina.

Depois dessa faxineira, tive outra que era muito controladora. Ela trabalhava às segundas. Chegava de manhã, via as garrafas de cerveja espalhadas pelo apartamento, olhava-me maliciosamente e comentava, erguendo uma sobrancelha de acusação:

– Parece que tivemos uma festinha por aqui, no fim de semana...

Aquilo me deixava nervoso. Eu gaguejava:

– Não... Não foi fes-festinha... Só recebi uns amigos e...

Ela me dava as costas, não sem antes rosnar:

– Sei! E ia-se para o quarto. Eu saía de casa me sentindo culpado.

Troquei-a por uma que não limpava tão bem, mas que era mais tolerante. O problema dessa é que toda segunda ela quebrava alguma coisa. Um dia a chamei e mostrei-lhe uma estante cheia de porcarias de porcelana:

– Está vendo essa estante? Quebra esses troços aqui, certo? Te concentra nessa estante.

Não adiantou.

A verdade é que gostava de todas elas, apesar de suas eventuais idiossincrasias. Todo mundo tem seus defeitos, ora. Mas o robozinho acho que não. O robozinho é perfeito. E o que mais aprecio nele, como ia dizendo aí em cima, o que me deixa realmente encantado é algo de especial que ele faz, que vi na TV.

É o seguinte: quando a bateria do robozinho está no fim, ele mesmo procura uma tomada pela casa e se acopla nela, a fim de recarregar as forças. Isso, de alguma forma, me comove. Porque parece uma demonstração de humildade do robozinho. Parece que ele está dizendo: “Limpei tudo, agora estou cansado, vou ali me recuperar”. E calmamente, docemente, humanamente, desliza para a tomada e se aconchega, como quem puxa o cobertor até o queixo, ao se deitar numa noite de inverno. Deve ser bonito ver isso. É certo que vou comprar esse robozinho.

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