segunda-feira, 12 de outubro de 2015



12 de outubro de 2015 | N° 18322 
CÍNTIA MOSCOVICH

Tudo tem uma primeira vez


A carreira de um escritor – ao menos do ponto de vista dos outros escritores – segue um rito que é mais ou menos assim: se o primeiro livro é bom, os outros autores costumam dizer que é apenas sorte de principiante. No segundo livro, se ele é igualmente bom, os incrédulos entendem que tudo ainda é promessa e que é melhor esperar o terceiro antes de considerar o novato como colega. 

Finalmente, no terceiro livro, se se comprova tudo o que prometiam o primeiro e o segundo, é chegada a hora de consagrar o óbvio: temos uma criatura com paciência, amor e vocação suficientes para ser considerada um autor.

Nesta quarta, na Saraiva do Moinhos Shopping, a jornalista Mariana Kalil lança Tudo Tem uma Primeira Vez (Dublinense), terceiro livro de sua carreira – aquele que confirma um talento incontornável para a narrativa e, muito mais, para esse dom precioso e raro do humor.

Depois dos hilariantes Peregrina de Araque, de 2011, e Vida Peregrina, de 2013, Mariana decidiu contar as 28 primeiras vezes em que ela fez algo, aquelas estreias de vida que, como as coisas não são fáceis para ninguém, se revelam meio frustrantes e muito ridículas. São situações cercadas de expectativa (a primeira cobertura de um jogo de futebol, a primeira vez num jantar de gala, a primeira vez em que é dona de um cachorro) e que, por nervosismo ou simples destrambelhamento, acabam se tornando vexames épicos e tão graciosos quanto ridículos.

Compondo uma espécie de autobiografia ou autoficção, Mariana conserva a pegada de crônica, mas vai bastante além, tocando fundo nas virtudes da ironia e do subentendido. Com um autocriticado pendor para a hipocondria e para o susto-pavor, revive seus micos mais cabeludos e constrangedores na base da leveza. É assim que ela chega ao humor: evitando ser grave e trágica, sendo sincera e deixando de lado aquela sisudez de quem quer parecer sério, mas é só dissimulado.

Mariana nos entrega um volume que é daqueles de ler aos poucos para prolongar o encanto e prazer. Coisa de profissional mesmo.

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