07 de outubro de 2015 | N° 18317
MARTHA MEDEIROS
Nando
Com o celular na mão, percorro a timeline de pessoas que conheço e ali vejo de tudo, desde bailes de debutantes até manifestações políticas raivosas, desde homenagens aos animais de estimação até piadas cruéis. Pela maioria, passo batido, mas curto as indicações culturais, as viagens, o bom humor, as alegrias alheias. Ainda assim, me pergunto: onde me situo em meio a tantas ideias, tanta informação, tantos perfis?
Off-line é que me reencontrei. Celular mudo dentro da bolsa, dei atenção plena a ele no palco, seduzindo e capturando a todos, música após música. Cada pedacinho de letra cantado com a alma me fazia sentir privilegiada por assistir a ele ao vivo pela primeira vez, domingo passado. Estou falando do show de Nando Reis, ex-Titãs, ex-namorado de Marisa Monte, ex-melhor amigo de Cássia Eller e ex-feio – porque até bonitinho se tornou depois de tanto sucesso.
Nando Reis, que eu só conhecia desses estereótipos, desses resumos, recuperou minha inocência, me fez sorrir por dentro, acho que até meio ruborizada fiquei.
Quem tem projeção hoje em dia? Aquela criatura sinistra que preside a Câmara, os ladrões que se apoderam do dinheiro público, os protagonistas de conchavos e alianças vexatórias a fim de manterem o poder. Logo, é questão de sobrevivência fugir para um território neutro a fim de escutar um branquela ruivo, às vezes desafinado, que canta e celebra o amor. Soa como petulância invocar esse assunto em meio às turbulências políticas, mas é disso que se trata a coluna de hoje: o amor.
Nando Reis, acompanhado apenas de dois violões, fez um espetáculo doce. Roqueiro em seu DNA, mas doce, cálido, poético. Não só pela poesia de suas canções, mas também por ter lido, entre uma música e outra, poemas de Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, Paulo Mendes Campos. Naquele teatro escuro, eu pensava: o que vale na vida, afinal? O que acontece lá fora ou aqui? Como equalizar essas divergências?
A resposta estava dentro de mim. Sempre está dentro de nós. A realidade é a narrativa que contamos a nós mesmos. A minha poderia começar assim: “Estranho seria se eu não me apaixonasse por você...”, que é o primeiro verso da música All Star, composta por ele e eternizada por Cássia anos atrás.
Nando, estranho seria se eu não me apaixonasse por você, se eu não me comovesse, se eu não passasse aquelas duas horas do show recordando meus ex-amores e sonhando com os amores que virão, estranho seria se não me arrepiasse com a possibilidade de um novo encantamento, estranho seria se eu não me enternecesse ao ver alguém tão entregue à própria verdade e ao sentimento, estranho seria se todos nós, na plateia, não nos rendêssemos à raridade da emoção, essa que tanto apanha da razão, mas que ainda insiste, valentemente insiste em manter sua voz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário