09 de outubro de 2015 | N° 18319
DAVID COIMBRA
Que hora para cumprir a lei!
Concordo com o argumento dos governistas nesses casos de condenações do TCU, do TSE e tudo mais. Eles dizem: “Todo mundo sempre fez errado, e, agora, quando nós fazemos, vamos ser condenados!”
É bem isso.
Vi inclusive um vídeo da senadora Gleisi Hoffmann em que ela sugeria que o TCU fizesse uma censura severa ao governo, advertindo: a partir de agora, não pode mais infringir a lei.
Uma autoridade dizendo algo desse quilate pode parecer obtuso, mas, no caso de Gleisi, sei lá, achei bonitinho.
A verdade é que estamos nos defrontando com nosso cinismo. No Brasil, há leis que simplesmente não funcionam. O Congresso aprova, o presidente sanciona, o Diário Oficial publica, e depois alguém diz: “Ih, essa lei não vai pegar...”
E não pega. Como poderia explicar isso para um americano? Uma lei que “não pega”... Já desisti, prefiro falar da Amazônia, que é popular por aqui.
Mas é assim que é. Nós, brasileiros, damos de ombros e nos desculpamos: “Quem nunca?...”
Pois é. Quem nunca cometeu pequenas ou até grandes infrações? E há diferenças entre elas, claro que há. Aquela faxineira que comeu o bombom da mesa do chefe, em Roraima, fez errado. Talvez o chefe devesse demiti-la, se perdeu a confiança nela. Mas abrir inquérito contra a mulher por isso? Não, né?
A infração que o governo Dilma cometeu é grande ou pequena? Não tenho convicção formada a respeito. Tenho, isto sim, de que esses tribunais de contas sempre se comportaram dentro do espírito do “Quem nunca?”. Os técnicos de um tribunal analisavam as contas de um governo, identificavam uma série de irregularidades, e o próprio tribunal se encarregava de deixar por isso mesmo. Censurava o governo, como sugeriu Gleisi, e pronto, vamos embora, não vamos mais pensar nisso.
Nardes gosta da Dilma? Nardes não gosta da Dilma? Nardes é boa pessoa? Nardes tinha boa intenção? Não sei. Só sei que não podemos criticar o homem porque ele fez o certo. Ele e o resto do tribunal. As contas tinham problemas? Foi recomendada a rejeição. Não é o que devia ser feito?
“Pô, mas justo conosco?”, gritam os governistas. “É implicância!”
Pode ser que seja, mas um dia nós tínhamos de começar a levar a coisa a sério.
Os empreiteiros também podem se queixar exatamente como se queixam os governistas. Pense bem: você é dono de uma construtora e sabe que as contas gordas estão com o governo. Sabe também que, para conseguir essas contas gordas, terá de pagar uma “comissão” para algum representante do partido hegemônico. Quem não paga não leva; quem não leva perde para a concorrência; quem perde para a concorrência acaba fechando. O que você faz? Deixa a sua empresa fechar ou paga a “comissão” para o partido que está no poder? Paga a comissão, é claro.
Sempre foi assim. Agora não é mais.
Sacanagem com esses empreiteiros? Falta de sorte deles? Perseguição? Seja. Mas o Sergio Moro não tem nada a ver com isso. Ele está fazendo o trabalho dele.
Como vamos lidar com o nosso cinismo, sentindo agora a necessidade de cumprir as regras do jogo?
Talvez a Gleisi esteja certa, afinal. Talvez tenhamos de chamar todo mundo e avisar:
– Ó: a partir de agora, só pode o que pode. O que não pode, não pode mais.
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