quinta-feira, 27 de maio de 2010



27 de maio de 2010 | N° 16348AlertaVoltar para a edição de hoje
LETICIA WIERZCHOWSKI

A última casa da minha rua (e uma rua cheia de casas)

Já escrevi aqui que moro numa rua pequena, porém apertada de prédios. Nem sempre foi assim – quando cheguei, prédios já havia, e foi num deles que viemos morar. Mas havia também casas e jardins floridos e, num terreno perto da esquina, uma roseira faceira que teimava em crescer suas flores para a calçada, ofertando-nos rosas diariamente.

Há muito que aquela casa sumiu, sua roseira morreu e já não nos dá suas flores. No seu lugar, em meio ao barulho, cresce um prédio moderno. Agora temos só uma única casa aqui na rua; faz alguns meses, porém, ela foi desocupada. Da minha janela, vejo-a vivendo seus últimos dias, à espera de que um burocrata de uma grande incorporadora bata seu pesado martelo.

Pois, infelizmente, as casas, hoje em dia, já não são mais casas: são terrenos onde crescerão os prováveis prédios de amanhã. Batido o martelo, aí sim virão bater aqui as marretas; e as retroescavadeiras gemerão outra vez nas nossas janelas, terra irá e terra virá, e mais um pedacinho desse nosso azul há de perder espaço para o concreto.

Pobre da minha rua, que anda tão cansada – o ruído constante das obras não a deixa mais dormir. Agora já não é mais uma rua pacata, nem ela, nem as ruas vizinhas: somos todos um grande canteiro de obras num bairro cada vez mais valorizado.

Eu faço troça dessa mania brasileira de destruir tudo de roldão e depois dizer tolamente que é o progresso chegando, e fico a sonhar com uma ruazinha bem silenciosa, onde ainda os pássaros cantem nas suas árvores, uma rua de gramados e jogos de futebol repletos de gritos infantis.

Mas essa rua, se existe, está bem longe daqui (ando a olhar com aumentado carinho a nossa sorridente zona sul). Eu fico sonhando com essa ruazinha calma, e meu filho mais velho sonha com uma casa onde possa ter um cachorro bem grande. Mas, por ora, seguimos aqui neste apartamento onde fomos – e somos – tão felizes.

Porém, acabo de conhecer uma colorida ruazinha com dez casas. Dez Casas e um Único Poste que Pedro Fez. Essa rua dos meus sonhos está num livro – o autor desse livro é o Hermes Bernardi Jr., e a editora é a Projeto. E em cada casa mora um bicho, uma música, uma quadrinha.

Lá moram o boi da cara preta, o peixe vivo, o sapo, a vaca amarela. Nossa senhora, quanto bicho! Muito bicho e muita casa sem nenhuma chave. Aliás, há uma chave, sim, que abre essa história e todos as outras histórias do mundo – a imaginação. Nessa rua, eu também quero morar.

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