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quarta-feira, 26 de maio de 2010
26 de maio de 2010 | N° 16347
DIANA CORSO
Nadie te quita lo vivido
Da maior parte das janelas do meu apartamento possuo uma detestável vista para as casas dos vizinhos e tenho certeza que, como eu, eles lastimam tanta proximidade. A exceção é para as janelas de lado, as quais se abrem para um belo e imenso plátano que domina o terreno baldio vizinho.
Ele é o descanso dos olhos, mas também o problema: esse terreno lateral tem dono, e vivo em sobressalto frente à possibilidade de ver minha árvore querida substituída por mais um conjunto de detestáveis janelas. Mas isso não aconteceu, ainda, talvez nunca, sei lá.
Além disso, um dia morrerei, é certo, com muita sorte velha, dormindo. Com mais sorte ainda, durarei sem fraldas e lembrando o nome dos meus netos.
Mas com a ajuda sempre prestativa do Google, posso chegar a um diagnóstico certeiro de câncer para vários sintomas banais, para não falar em outras terríveis doenças, todas letais, e pensar que posso morrer antes disso. Mas isso não aconteceu, ainda, talvez nunca, sei lá.
Essas obsessões, que aqui exagero para fins didáticos, compreenda-se bem, são metafóricas de tantas outras coisas que deixamos de aproveitar pela sua indiscutível finitude.
Gosto muito de uma expressão em espanhol, cujo ensinamento nem sempre consigo aplicar em minha vida prática: “nadie te quita lo vivido”. Traduzido seria: ninguém pode tirar o que já viveste. Dela apreende-se que aquilo que deu tempo de fazer, contemplar, dizer e sentir está completo, e, se é indiscutível que um dia vai acabar, já valeu.
Não se deduza disso nenhuma precipitação a uma forma hedonista e imediatista de existência. Essa é a lógica dos toxicômanos: esgotam a vida com brevidade, vivem cada instante como se fosse o último, morrem a cada curva do prazer. Diferente disso, o carpe diem que proponho passa por resignar-se a percorrer o caminho inteiro de uma existência, visitar todas suas estações.
Aceitar a vida acaba sendo mais difícil do que conformar-se ao fato da morte. A lógica hipocondríaca, dos que padecem de doenças imaginárias, assim como dos eternamente jovens, também é uma antecipação da morte. Para esses sovinas, a vida não deve ser gasta. Sou um desses quando derrubo antecipadamente meu plátano e morro de véspera.
Faço votos de que nunca precise dizer: “eu era feliz e não sabia”. A condição passageira não precisa ofuscar o prazer de ver a passagem das estações. De cada folha que nasceu e caiu, “nadie me quita lo vivido”. Uma vida é para ser usada em todas suas partes que estão ainda de pé. Preciso lembrar disso, mais vezes.
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