segunda-feira, 24 de maio de 2010



24 de maio de 2010 | N° 16345
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Um retratista

O primeiro e grande mestre do retrato fotográfico foi Nadar, atuante na França em meados do século 19. Retratou todas as personalidades da época, inclusive D. Pedro II e Victor Hugo. Todos afirmavam – e nós, hoje, concordamos – que seus modelos pareciam vivos, e seria viável, apenas pelo retrato, adivinhar toda uma vida e todo um código de valores.

De fato, ao observarmos o retrato que fez de Rossini, é impossível não compartilhar a alegria e o epicurismo do grande músico. Nadar tinha uma técnica, que ele revela no livro Quand j´étais photographe, ainda não traduzido: para captar as esperanças e desejos do fotografado, pedia que inspirasse – e clic! Se, ao contrário, queria registrar a verdadeira pessoa, o seu passado, pedia que expirasse – e clic!

Saber retratar é uma arte que vai além do pleno domínio da técnica. É preciso maturidade existencial e conhecimento da alma humana.

Tudo isso encontramos nos retratos realizados por Marco Nedeff, reunidos em livro [Ed. Libretos], com o título de Ainda Cabe Minha Aldeia no Mundo?. A “aldeia” é Nova Prata, onde o fotógrafo nasceu em 1957.

Seus modelos são habitantes locais, com as mais variadas profissões e ocupações: estofador, médico, construtor, professor, dona de casa, dentista, marceneiro, merendeira, bordadeira, barbeiro, mecânico, motorista, padre, comerciante, dono de posto de gasolina, babá, gaiteiro, telefonista – enfim, todas essas pessoas que levam em frente a civilização.

Se fosse preciso definir esses retratos, a palavra que logo vem à mente é: respeito. Respeito do fotógrafo pelos seus modelos; respeito dos modelos por suas próprias profissões. Em quase todas as fotos, eles olham com firmeza para a lente da câmera. Todos ali são orgulhosos do que fazem: o relojoeiro Darcy, por exemplo, olha de soslaio para o fotógrafo, e sua expressão diz:

“Está bem, pode fotografar, mas depois me deixe recolhido ao meu trabalho”. O engenheiro Nagib é fotografado de baixo para cima, tendo atrás um prédio, certamente construído por ele. Seu sorriso diz: “Tentem construir um edifício como este”. A professora Edith nos assegura: “Dei toda uma vida aos meus alunos; espero que tenham aprendido as lições”.

Essas palavras não são exercícios ficcionais de um romancista. Nós as escutamos ao virar de cada página, porque cada página é espantosamente vívida. Pensando em Nadar, ali todos inspiram para o clic.

Saudemos a arte do retrato. Ela existe. O autor dessa proeza é Marco Nedeff. Gaúcho, para nossa honra.

Nenhum comentário: