terça-feira, 25 de maio de 2010




25 de maio de 2010 | N° 16346
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Blau Nunes, Marlow, Mowgli, Tarzan

Ando mergulhado em Simões Lopes Neto. Não só porque este 2010 é o centenário de seu importante livro O Cancioneiro Guasca – trata-se de uma compilação de algumas lendas (que estavam na edição primeira e depois foram deslocadas para um novo livro, o clássico Lendas do Sul, de 1913), muitos poemas da tradição oral, poesia de caráter histórico e ainda uma coleção de frases, quer dizer, uma amorosa recolha de elementos da cultura popular da região.

Ao colecionar tudo isso, Simões Lopes Neto estava ao mesmo se preparando para sua obra maior e salvando do esquecimento aquelas delicadas produções do espírito, que até então quase não tinham entrado para o repertório culto e escrito.

Meu mergulho se deve também a uma necessidade que é um grande prazer intelectual: estou revisando, para nova publicação, pela L&PM, edições anotadas anteriores de seus dois principais livros, os Contos Gauchescos, de 1912, e as já mencionadas Lendas do Sul. Revisão que dá trabalho mas rende uma convivência íntima com a obra daquela figura ímpar. Não foi por acaso que um sujeito de alto tino e grande talento como Carlos Reverbel passou uma grande parte de sua vida estudando o Simões Lopes Neto.

Nesse meu trabalho agora, a obra de Reverbel vem acrescentada da nova biografia, repleta de dados de grande interesse, elaborada por Carlos Alberto Sica Diniz (João Simões Lopes Neto – Uma Biografia, AGE e Univ. Católica de Pelotas, 2003), hoje em dia indispensável para visitar o grande escritor.

Não sei quantas vezes já reli passagens, anotei, juntei isso com aquilo, sempre com vistas a escrever a apresentação da nova edição que preparo. A essas providências, acrescentei uma releitura cuidadosa de algumas peças de tradição gauchesca, em particular o incontornável Martín Fierro, que aliás está tendo nova e excelente tradução ao português – aguarde.

Vou e volto nesse material todo, e a cada vez mais fichas vão caindo, completando ligações que antes nem imaginava. Algumas sugestões de comparação já existiam, como aquela que Antonio Candido indicou há tempos, entre Blau Nunes e Marlow, o narrador interno da impressionante novela Coração nas Trevas, de Joseph Conrad, que não por acaso é contemporâneo justo do nosso Simões Lopes (este viveu entre 1865 e 1916, Conrad entre 1857 e 1924).

Agora me ocorre encontrar laços entre o escritor gaúcho e Rudyard Kipling (1865 –1936), autor do famoso O Livro da Selva, aquele do Mowgli; entre ele e Edgar Rice Burroughs (1875 –1950), autor do mais famoso ainda Tarzan, cuja primeira aparição ocorreu naquele mesmo 1912; entre ele e o inventor do escotismo, aquele Robert Baden-Powell.

Calma, calma (digo logo, já imaginando os guardiães de Simões Lopes Neto de dedo em riste), eu sei que tem enormes diferenças; mas o parentesco, vou-te contar.

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