quarta-feira, 19 de maio de 2010



19 de maio de 2010 | N° 16340
DAVID COIMBRA


O homem que comia seus inimigos

Idi Amin comia seus inimigos. Comia mesmo, canibal, antropófago, depois que estavam mortos. Por obra dele próprio, aliás. Idi Amin foi um ditador assassino, calcula-se que tenha sido responsável por 150 mil a 300 mil mortes em seus oito anos de governo em Uganda, na década de 70.

Não comeu todos esses, claro. Gente demais para se comer. Apenas provou pedaços dos corpos de alguns privilegiados que matou em pessoa ou que viu seus esbirros assassinando após torturas atrozes.

Conta-se que, desses, Amin guardava as cabeças em uma geladeira. Volta e meia ele ia lá, abria a porta do refrigerador, olhava para a sua coleção de cabeças e suspirava, orgulhoso, como se fitasse o álbum da Copa completo.

Outra do Amin: uma de suas mulheres ele mesmo fez questão de desmembrar até a morte, braço por braço, perna por perna. Tinha força para tanto. Era um negro alto, forte, espadaúdo e de passadas largas, metro e noventa de altura, 110 quilos de peso. Antes de tornar-se general, foi campeão dos pesos pesados de Uganda.

Foi todo esse vigor físico que chamou a atenção dos ingleses para arregimentá-lo para o exército colonial. Amin não os decepcionou. Destacou-se vivamente por sua brutalidade na repressão dos rebeldes, se é que vivamente é o termo adequado para se empregar a um homem como ele. Gostava muito de ameaçar os opositores mais encanzinados de castração. Caso continuassem encanzinados, gostava ainda mais de cumprir a promessa.

Tenho lido sobre Amin e outros temas africanos na minha preparação para a Copa do Mundo que se avizinha. Verdade: Uganda não tem muito a ver com a África do Sul, está incrustada lá no centro-norte do continente, mas os sul-africanos insistem em repetir que essa Copa não é a Copa da África do Sul; é a Copa da África.

E, de certa forma, embora existam inúmeras diferenças entre as centenas (centenas!) de povos africanos, as semelhanças também são várias. É como a América do Sul: somos todos diferentes, mas tão parecidos...

Por isso, Idi Amin pode bem representar esse personagem que desde meados do século 20 infesta a África negra como a mosca tsé-tsé: o ditador cruel. Houve outros: Mobutu Sese Seko, Robert Mugabe, Jean-Bedel Bokassa, este chamado não sem motivos de “o Calígula africano”, entre tantos. Todos cruéis, todos devassos, todos corruptos. Amin foi apenas o mais famoso da turma. O que me leva a perguntar:

Por quê?

Por que os ditadores excedem-se na opressão aos seus semelhantes?

A resposta é a seguinte:

Porque podem.

Todo ditador é perigoso porque ele tem o poder e, tendo o poder, sente necessidade de exercê-lo. Um homem com poder é como uma bela mulher – em algum momento, ambos caem na tentação de testar os limites da sua força. Ambos querem descobrir até que ponto os outros homens se submeterão a eles.

Idi Amin, usufruindo do poder e, mais, usufruindo do poder absoluto, deixou-se possuir por todas as tentações. Como um Hitler, a quem, inclusive, ele admirava. Como um Stalin. Um Mao. Como um césar romano. Como um torturador nos porões da ditadura brasileira tendo à disposição um jovem corpo com o qual podia fazer o que bem entendesse.

O poder transforma e, quase sempre, corrompe.

Um porteiro sente ganas de exercer seu poder tanto quanto o sente um juiz de direito ou um chefe de seção. Por que não sentiria também um técnico de futebol? Os técnicos têm poder. Suas decisões afetam o estado de espírito de milhões.

Como devem, esses técnicos, lutar para não ceder à vontade de usar do despotismo, de replicar com birra ou de simplesmente torturar psicologicamente quem veem como opositor...

Olhe para um técnico. É um ditador em potencial e, como qualquer ditador, é um homem perigoso. É um opressor em estado latente, só esperando a hora de pular sobre quem considera seu inimigo e devorá-lo. Feito um Idi Amin. Feito um canibal.

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