sábado, 15 de maio de 2010



16 de maio de 2010 | N° 16337
MARTHA MEDEIROS


Em que você está pensando?

O silêncio da paz, do sossego, não deve ser interrompido por suspeitas

Estava no Rio participando de um evento, quando uma moça se aproximou de mim e disse: Gostaria de saber sua opinião: sempre que eu pergunto para o meu marido sobre o que ele está pensando, ele responde que não está pensando em nada. Isso é possível?.

Não, não é possível, respondi. Não é possível que você pergunte para o seu marido sobre o que ele está pensando. Você não tem pena do coitado?

Rimos, e trocamos de assunto.

O fato é que não é só ela. Muitas vezes compartilhamos o silêncio com alguém que amamos muito, mas o amor nem sempre é blindagem suficiente contra a insegurança, e aí aquele silêncio vai se tornando incômodo, aflitivo, até que, pra não deixar o caladão ou a caladona fugir para muito longe, surge a invasiva pergunta: “No que você está pensando?”.

Pode acontecer durante uma viagem de carro, durante uma caminhada, até mesmo em frente à tevê: “No que você está pensando?”.

Estava pensando se o bolo desandou por eu ter colocado farinha de rosca em vez de farinha de trigo. Estava tentando lembrar se foi o Robert Downey Jr. que fez o papel de Gandhi no cinema. Estava procurando entender como o elefante, sendo herbívoro, consegue ser tão gordo.

Como diria Olavo Bilac, certo perdeste o senso.

O pensamento é sagrado, o único território livre de patrulha, livre de julgamentos, livre de investigações, livre, livre, livre. Área de recreação da loucura. Espaço aberto para a imaginação. Paraíso inviolável. Se estivermos estranhamente quietos num momento em que o natural seria estarmos desabafando, ok, é bacana que quem esteja a nosso lado demonstre atenção.

Você está aborrecido comigo? Está preocupado? Quer conversar? Está precisando de alguma coisa? Quem gosta de nós percebe quando nosso silêncio é uma manifestação de sofrimento ou desagrado, e nos convocar para um diálogo é uma tentativa de ajudar.

Mas durante uma viagem de carro em que está tudo numa boa e você está apenas apreciando a paisagem? Durante uma caminhada no parque em que você está observando as diferentes tonalidades de verde das árvores? Na frente da tevê, quando você está fixado na entrevista do seu cineasta preferido?

Esse é o silêncio da paz, do sossego, e não merece ser interrompido por suspeitas. Sim, até pode ser que você esteja pensando, durante a viagem, que o relacionamento de vocês também já foi longe demais.

E que o parque seria um belo local para um encontro clandestino. De preferência com o cineasta da entrevista, que você nem imaginava ser tão bonitão. Sim, pode ser.

Em que você está pensando?

Em nada, meu bem. Em nada.

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