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segunda-feira, 24 de maio de 2010
24 de maio de 2010 | N° 16345
PAULO SANT’ANA
A vergonhosa fila do SUS
Se há uma ideia que não sai da minha cabeça, que insiste em martelar o meu elenco neuronial, é a da fila de cirurgias no SUS.
Eu não posso entender como um governante consegue levar à frente o seu governo, com tantas frentes a atacar, se não olha para a transcendental fila de cirurgias do SUS.
Eu não entendo como podem os três principais candidatos à Presidência da República engalfinhar-se em debates, entrevistas, encontros e não deixarem tudo de lado para encarar somente um assunto: a fila de cirurgias do SUS.
Em meu delírio sanitarista, penso que os governos tinham de abandonar todas as suas metas e fixar-se somente em uma: acabar com a fila de cirurgias do SUS.
Para mim não existe governo se não se concentrar em razões humanitárias.
E a razão humanitária mais urgente no Brasil é a fila de dezenas de milhares de pessoas que esperam por cirurgias eletivas no SUS.
Não pode um governo revestir-se de dignidade se milhares de seus súditos estão a definhar em filas de cirurgias e consultas no SUS.
O mínimo de civilização em um país exige que, se uma pessoa está inabilitada por falta de uma cirurgia, seja ela imediatamente encaminhada para esse procedimento, num prazo que não pode exceder a 45 dias.
Não é possível que a vida ou a integridade física de uma pessoa fique à espera de uma cirurgia por três ou quatro anos.
Quantos milhares, na espera pela hora da sua cirurgia, ficam aleijados, mutilados, com seus órgãos e funções destruídos – morrem, enfim, na fila da espera de cirurgia pelo SUS?
O jornal O Globo fez uma pesquisa em sete capitais brasileiras, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília e Salvador – portanto com a ausência de Porto Alegre, onde a fila de cirurgias do SUS é angustiante –, e constatou que 171 mil brasileiros aguardam desesperadamente a chance de se operar na fila do SUS.
Se Porto Alegre constasse do levantamento, subiria para mais de 200 mil os que vivem a agonia de espera nas filas de cirurgias.
Sem falar nas outras 19 capitais.
Como pode? Em muitos casos, em muitas capitais, os governos transferem para os hospitais a regulação sobre a fila das cirurgias. E esses hospitais vão administrando as filas, furando-as, de acordo com seus interesses.
E o pobre doente que está na fila, impedido muitas vezes de trabalhar ou de se locomover pessoalmente e aderir ao metabolismo social, fica sem saber a quantas anda a sua inscrição na fila, numa aflição que beira o desespero e cedo ingressa na fatalidade.
O problema da fila tem origem na raiz da saúde pública: como a quantidade de equipamentos, leitos e profissionais é escassa, os hospitais se dedicam prioritariamente aos casos de urgência e emergência. E dá-lhe o doente a esperar, abandonado em seu lar, ao chamado de angústia sem fim, que às vezes demora cinco anos, quando a saúde do doente já se estraçalhou e vem a apresentar complicações afins com a original ou novos problemas de saúde.
Não deveria haver eleições se há fila de cirurgias. O país tinha de parar, antes de fazer eleições, para extinguir a fila do SUS, porque continuar a funcionar um país que organiza uma fila da morte é um dos maiores despautérios que se conhece.
Esta fila não pode continuar oculta nos bolsões de indiferença dos governos e dos hospitais.
Esta fila tem de ser publicada, apregoada, insistida em sua repercussão, para que o Brasil, de uma vez por todas, de vergonha, acabe com ela.
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