sábado, 15 de maio de 2010



16 de maio de 2010 | N° 16337
DAVID COIMBRA


O Novipir é nosso único amor!

Minha mãe, examinando o volante de loteria esportiva, uma vez me perguntou:

– David, que time é esse Xisvê Novipir?

Referia-se ao 15 de Piracicaba, identificado nos volantes de loteria como “XV Nov Pir”.

É provável que, tal qual minha mãe, grande parte da população brasileira não saiba qual é a cor da camiseta do 15 de Piracicaba, não imagine como seja sua bandeira e talvez nem saiba da existência do dito cujo, suas conquistas e glórias.

Mas também é provável que existam, lá em Piracicaba, torcedores que propalam ao mundo o seu amor pelo Novipir, que juram que o Novipir é sua maior paixão, que amarão o Novipir até morrer, que jamais o abandonarão e que chamam sua ignota camiseta de “manto sagrado”. Também é provável que esses torcedores, lendo os parágrafos acima, bradem, dedo em riste:

– Respeitem o 15 de Piracicaba! Respeitem!!!

O sentimento acerbo do torcedor de futebol é muito parecido com o patriotismo. O que é dele sempre é o melhor, sempre é o superior.

Foi por isso que me inquietei com a entrevista do Dunga, durante a convocação. Nos dias subsequentes, li e ouvi inúmeras críticas a respeito, algumas bem coerentes, para usar uma palavra apreciada pelo técnico. O que ele falou acerca da escravidão e da ditadura, por exemplo.

Dunga disse não poder afirmar se a ditadura e a escravidão foram boas ou não porque não as experimentou. Uma contradição para quem é filho de uma professora de História, como ele mesmo revelou na coletiva.

Mas não chega a ser grave. Entendo que Dunga estava nervoso com a pompa militar da cerimônia, e se atrapalhou. Ou se empolgou com o discurso pueril e emocionado de seu auxiliar, Jorginho, e se atrapalhou. Ou imiscuiu-se por um terreno desconhecido, e se atrapalhou. Ou simplesmente se atrapalhou. Seja como for, tenho certeza de que Dunga não pensa assim. Seria muita estupidez, e Dunga não é um estúpido.

Agora, quando ao sentimento de patriotismo exaltado por ele e por Jorginho, disso tenho certeza de que Dunga quis dizer exatamente o que disse. Donde meu desassossego. O ufanismo infantil do torcedor de clube já é o suficiente para tornar o ambiente do futebol belicoso e pouco inteligente, não vá agora o treinador da Seleção achar que um campeonato é uma guerra e que a vitória vale sangue. Não vale. Nenhuma vale.

Deus salve a rainha

No século 16, um nobre inglês acusado de conspirar contra a rainha Elizabeth I, a célebre Rainha Virgem, foi condenado a ter a mão direita decepada. Durante a execução da pena, manteve a dignidade. Não gritou, não chorou, nem protestar protestou. Ao contrário, depois que o carrasco desceu a espada sobre seu braço, ergueu o toco sangrento para o alto e gritou:

– God save the Queen!!!

Esse tipo de comportamento era o esperado na época. Até a Revolução Francesa, as pessoas deviam lealdade à realeza, não à nação. A ideia de nação moderna, e consequentemente o nacionalismo moderno, foi criada pela Revolução Francesa. Há pouco mais de 230 anos, portanto.

Com a Revolução Francesa, os reinos transformaram-se em pátrias e os sacrifícios que o povo fazia pelo rei passou a fazer pela nação. Hitler, Mussolini, Stalin e Mao eram patriotas ferrabrases. Patriotas perfeitos. Morriam e matavam pela nação. Como alguns torcedores se dizem capazes de fazer por seus times.

Tenho medo de patriotas. Tenho medo de gente que agride por um ideal. Prefiro quem tenta fazer o que é certo. Basta-me quem tenta fazer bem-feito.

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