sábado, 15 de maio de 2010



15 de maio de 2010 | N° 16336
CLÁUDIA LAITANO


Dó maior

Antes mesmo de entrar na sala de concertos, tomando um café ou escolhendo um CD na lojinha, o visitante gaúcho já começa a sentir-se esmagado pelo complexo de primo pobre.

O leitor adulto deve lembrar – e o mais novinho pode conferir no You Tube, vale a pena – dos esquetes em que o primo pobre (Brandão Filho) visitava a mansão do primo rico (Paulo Gracindo), quadro que durante décadas fez sucesso no rádio e na tevê e que descrevia, de forma marota e sociologicamente sofisticada, tanto a insensibilidade social da elite quanto a eterna esperança do pobre de achacar o parente bem de vida.

Pois visitar uma das maiores, mais modernas – e mais belas – salas de concerto do Brasil, a Sala São Paulo, desperta nos gaúchos esse mal-estar pelo contraste extremo.

Nossa orquestra, a Ospa, tem um regente de renome internacional, músicos talentosos, tradição e até público – mas não tem casa. Já a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) tem não apenas um teatro, mas a deslumbrante Sala São Paulo. Má distribuição de renda, péssima distribuição de sorte.

O Brandão Filho sempre entrava na mansão do Paulo Gracindo na esperança de filar uma boia. Entre colunas de mármore e lustres de cristal, encontrava o primo rico refletindo sobre questões gravíssimas como a reforma da pinacoteca ou a compra do novo sino de ouro para a capelinha da patroa (“o sino de ouro anda pela hora da morte!”).

A Osesp tem lá seus problemas, como qualquer orquestra, mas eles nos soam tão irrelevantes quanto o sino de ouro da capelinha. Com um orçamento de R$ 68 milhões por ano (R$ 43 milhões vindos do governo do Estado e R$ 25 milhões provenientes de patrocínios, assinaturas e bilheteria), a Osesp não é apenas uma orquestra, mas um modelo de gestão cultural.

Para os defensores das Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), a Osesp é a prova de que é possível um modelo de gestão mais flexível para que órgãos culturais não apenas sobrevivam aos diferentes governos e secretários de Cultura (valha-nos Deus...), mas cresçam e mantenham a coerência e um projeto consistente.

Neste modelo de administração, um conselho formado por membros da sociedade civil torna-se parceiro do poder público na gestão, utilizando recursos públicos, mas prestando contas à sociedade. (Se existisse uma Eva Sopher ou um Ivo Nesralla para cada teatro, orquestra ou centro cultural do país, talvez não precisasse existirem Oscips, mas como a clonagem humana ainda não é uma opção, resta-nos repensar a política cultural.)

Vocês vão me dizer que São Paulo, como o primo rico, tem dinheiro de sobra para torrar em caprichos como um sino de ouro ou uma orquestra de padrão internacional, mas não se trata aqui de discutir o tamanho da Osesp, mas o tamanho que a Ospa pode (ou deveria) ter.

A demora para tirar a sede própria do papel é apenas um dos sintomas da falta de empenho dos diferentes governos e da sociedade civil para recuperar o prestígio que a nossa orquestra um dia teve. E uma orquestra é importante não apenas para quem gosta de música, mas para o conjunto da sociedade, como marco civilizatório que assinala a ambição de um país, de um Estado, de uma cidade. Com uma Ospa pequena e sem teatro, somos todos menores.

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