sábado, 29 de maio de 2010



30 de maio de 2010 | N° 16351
DAVID COIMBRA


O bico e a naninha

OBernardo tornou-se dependente emocionalmente da naninha. O Bernardo, sabe? O meu Pocolino. Não consegue viver sem aquela naninha.

É intrigante. Qual é o princípio da naninha? O do bico eu entendo. O bico remete ao seio da mãe, às nossas necessidades mais primevas de alimento e segurança. Eu mesmo tenho vontade de chupar um bico, às vezes, quando vejo fotos da Megan Fox.

Mas a naninha? A naninha é um pedaço de pano. O Charlie Brown anda sempre com uma, arrastando-a quadrinhos afora. No caso dele, acho que é uma fralda, mas existem naninhas mais elaboradas hoje em dia. Naninhas industriais.

Meu filhinho tem três. Elas são de flanela, acho que aquilo é flanela, são bem macias, do tamanho de um guardanapo grande, e todas têm uma cabeça de cachorrinho numa das pontas. Tem o cachorrinho azul, o vermelho e o branco. Antes do Gre-Nal do Beira-Rio, o Bernardo exigiu:

– Quero a naninha azul!

Não aceitou outra. Tinha de ser a azul.

O Grêmio venceu por 2 a 0.

Antes do Gre-Nal do Olímpico, fui dar-lhe a naninha e ele:

– Quero a vermelha.

Inter 1 a 0.

Ultimamente ele tem pedido a branca. O Santos vai ser campeão da Copa do Brasil.

O fato é que meu filhinho só dorme se esfregar a naninha no nariz. Quando está quase pegando no sono, estende-a sobre os olhos e aí começa a ronronar. Durante o dia, se é contrariado, tipo:

– Chega de ver Backyardigans, é hora do banho.

Se algo assim acontece, ele pede a naninha.

Se ele está correndo atrás do gato da vizinha, o Flufi, e cai e esfola o joelho, pede a naninha.

Se acabou a Bolacha Maria, pede a naninha.

A naninha é solução para tudo. Tipo demitir treinador. Demitir o treinador sempre dá a impressão de que tudo vai ficar melhor. Às vezes realmente fica, mas, em geral, o efeito é como o da naninha: só psicológico. Será que o Inter melhora de técnico novo? Vou esperar para ver que naninha o Bernardo vai pedir nesse domingo.

Mulheres caras

Como uma mulher se transforma em uma mulher cara? Trata-se de uma transformação, acredite. As mulheres não nascem dentro de calças Diesel ou sorvendo Veuve Clicquot em taças de cristal checo. Uma mulher pode muito bem atravessar a existência indo a rodízio de pizzas no sábado à noite, pode muito bem contentar-se com xis-galinha, com tomar chuva de pé para assistir a um show de música, com esperar meia hora na fila para entrar em um bar.

Pode.

Mas pode ser, também, que um homem entre na vida dessa mulher e passe a levá-la a restaurantes nos quais nenhuma conta sai por menos de 200 dólares, restaurantes onde ela degustará tintos franceses e trinchará entrecots argentinos.

Pode ser que a leve para shows em teatros com poltronas de veludo italiano, que as férias deles se passem do outro lado do mar oceano, que ele a presenteie com gargantilhas do Antônio Bernardo, pode ser que esse homem a convide para um fondue que ele mesmo preparou e que lhe será servido em frente à lareira crepitante, sobre um tapete de palmo e meio de altura, onde as vaidades afundam e os desejos emergem.

Pode ser que esse homem apareça na vida dessa mulher. Aí ela não será uma mulher de arquibancada de futebol. Mulheres de arquibancada ainda não encontraram o homem certo.

O ritmo do chumbo

Grêmio e Inter têm meias que são jogadores à frente do seu tempo. Porque o tempo deles são os anos 60, uma época de menos compromisso e mais alegria, pelo menos nos campos de futebol.

Um desses meias joga como o velho Pedro Rocha. Outro como o Ademir da Guia. João Cabral de Melo Neto escreveu um poema sobre Ademir, a quem chamavam de “Divino Mestre”. Dizia dele o poeta:

Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.

Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o

Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.

Bonito, não? Mas só funcionava nos anos 60.

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