quinta-feira, 20 de maio de 2010



20 de maio de 2010 | N° 16341
RICARDO SILVESTRIN


Os padrões de beleza

Existe a beleza? Essa pergunta me ficou quando terminei de ler as colocações do pintor Salvador Dalí. Ele advertia que a crítica e os artistas da primeira metade do século 20 estavam tomando o feio pelo belo.

Mostrava que as deformações iniciais dos grandes artistas que foram marcos da arte moderna surgiram para agredir o belo, não para ser um novo belo. Sabiam que estavam fazendo o feio. Era uma contestação ao padrão. A crítica viu nisso um novo modelo e até o caminho para se chegar à verdadeira beleza. Outros artistas, no embalo da crítica, acabaram fazendo mais e mais feiúra.

Isso tudo está no livro Libelo Contra a Arte Moderna, edição da L&PM, com tradução do Paulo Neves. Outro dia, o músico Robson Serafini escreveu um interessante artigo sobre os acordes dissonantes. Partiu de um comentário de alguém que dizia “que bonitos esses acordes dissonantes”. Quando surgiram na história da música, eram acordes feios, fora do padrão. Soavam mal ao ouvido acostumado sem esse tipo de acorde.

Se olharmos os cabelos de hoje, a moda é fazer um corte desparelho. Desestruturado, desconstruído. São pontas que saem, sobram, projetam-se, às vezes ajudadas com gel e cera para se sobressair. Aquela cara de quem acordou há pouco está sendo considerada o suprassumo da beleza. E ainda se completa com a barba por fazer ou feita para parecer que não foi feita.

Só percebemos uma coisa em relação à outra. Acreditamos que algo é bonito em relação a algo que entendemos como feio. Quando se trata de estética, e de comunicação dessa estética, há também a automatização. Acabamos nos acostumando com o que vemos.

Uma alteração nesse padrão faz com que a gente olhe de novo, com que se volte a enxergar. É como alguém casado durante anos com a Luana Piovani. Uma hora, acostuma. Uma hora, a Zezé Macedo aparece e se torna a mais bela prenda! Olhando bem, a Zezé tem (tinha) um outro padrão de beleza. O automatismo nos levar a pensar coisas assim.

E, pra complicar ainda mais a questão, o que vemos não é o que existe. Nossos olhos percebem apenas a incidência da luz sobre as coisas. Apague a luz e não vemos mais nada. Mais do que responder ou achar a verdade, a arte transita é nesses buracos de entendimento de tudo.

Salvador Dalí e seus amigos, como Pablo Picasso, colocaram em questão o conceito de beleza. E Dalí, questionador como todo grande artista, voltou mais tarde a debater, nesse texto da década de cinquenta, o que isso gerou.

Belos ou feios, são os novos padrões de percepção que vamos incorporando. O que ficou velho pode voltar como novo. Veja esses carros estilo retrô. Tinham virado umas furdecas e agora são chiques outra vez. Quando dizem hoje que o homem mais bonito do mundo é o ator que faz o Wolverine, penso: amigos, a coisa agora está mais fácil. Antes, tínhamos que competir com o Alain Delon.

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