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sexta-feira, 28 de maio de 2010
28 de maio de 2010 | N° 16349
DAVID COIMBRA
Aprendendo a lavar o rosto
Sempre que lavo o rosto, sempre!, todas as manhãs e todas as noites da minha vida, sem exceção, lembro do meu pai.
Porque um dia, quando tinha lá uns cinco anos de idade, estava sentado à mesa do almoço, diante do prato fumegante de macarrão com molho vermelho que a minha mãe prepara como ninguém, e meu pai disse que eu estava com o rosto sujo. Mandou que o lavasse. Tentei distraí-lo com alguma brincadeira e não fui. Ele repetiu, agora irritado:
– Vai lavar o rosto!
Mais interessado na massa do que na higiene, fiz uma pequena negaça e fiquei onde estava.
Então ele se ergueu, empurrando a cadeira para longe e, com os olhos coruscando de fúria, avançou em minha direção. Estremeci de pavor, mas não me mexi, não tentei correr – não corria dos meus pais.
Meu pai tomou-me o braço e arrastou-me para o banheiro. Lá, cingiu minha nuca entre o indicador e o polegar, forçou-me a cabeça sobre a pia, abriu a torneira e, em seguida, esfregou meu rosto com a água uma, duas, três, quatro vezes.
Desde aquele episódio, quando vou lavar o rosto, lembro do meu pai e tenho de enxaguar-me quatro vezes. Não se passou um único dia, dos meus cinco anos de idade para cá, que não tenha lavado o rosto em quatro etapas. Se não passo a água no rosto quatro vezes, tenho a impressão de que estou sujo.
Por quê?
Porque acho que essa é a forma correta de lavar o rosto. Se meu pai o demonstrou com tanta ênfase, deve ser assim que se faz.
Não conto essa história para fazer alguma consideração emocional. O que me intriga é o resultado prático da coisa. Pois repare: não gostei da forma brutal como meu pai me tratou, fiquei assustado na época, mas, didaticamente falando, a atitude dele deu resultado. Não era sua intenção, mas aprendi, para a eternidade, que um rosto bem lavado lava-se quatro vezes.
Isso talvez sugerisse que a violência é eficaz como método pedagógico, o que vem ao encontro de um pulsante debate atual: a respeito da chamada “palmada educativa”.
Só que não é bem assim.
O importante, no caso que descrevi, não é a atitude do meu pai, mas minha reação a ela. Meu pai apenas se encolerizou com a desobediência do filho, ele não tinha a intenção de mostrar que o rosto se lava quatro vezes. O fato de ele ter lavado o meu rosto quatro vezes foi casual, poderia ter sido cinco, ou três, ou uma única vez. Quer dizer: ele não pretendia me ensinar, mas mesmo assim aprendi.
Eis o busílis: a criança quer que a ensinem. Quer que se importem com ela. Meu pai o fez com violência, e “aprendi” que o rosto deve ser lavado quatro vezes.
Se o fizesse com firmeza, sem perder a ternura, aprenderia que o rosto deve estar limpo antes das refeições, e por que deve estar. A “palmada educativa” do meu pai fez com que assimilasse a regra, e nada mais. Se tivesse educado sem palmada, eu teria compreendido a razão da regra. A palmada educativa é eficiente. Pena que não funciona.
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