terça-feira, 25 de junho de 2024

25/06/2024
Frei Jaima Betttega

A esperança é o que nos impulsiona a seguir em frente

Em momentos de desânimo, uma palavra de amor pode fazer toda a diferença, iluminando os dias mais sombrios e trazendo conforto aos corações aflitos 

25/06/2024 - 08h26minBom dia! Alegria! Recomeçar é uma oportunidade incrível... Estamos na última semana do mês de junho... Vivamos intensamente cada dia, cada momento... Feliz dia!

“É preciso falar de esperança todos os dias. Só para que ninguém esqueça que ela existe.” (Mia Couto). 

A esperança surge como uma luz que nos guia para dias melhores. Falar de esperança é essencial para que ela permaneça viva em nossos corações. Cada palavra de encorajamento, cada gesto de bondade, reforça a presença dessa força vital em nossas vidas. A esperança é o combustível que nos impulsiona a seguir em frente, mesmo quando o caminho parece árduo. 

Ela nos lembra que, independentemente das circunstâncias, há sempre a possibilidade de um novo começo, de uma nova oportunidade. É através da esperança que encontramos a força para superar os desafios e a coragem para enfrentar o que tem a aparência de impossível. Manter a esperança viva exige um esforço constante de renovação. 

Não basta apenas acreditar nela; é necessário cultivá-la diariamente, lembrando a nós mesmos e aos outros que ela existe. Em momentos de desânimo, uma palavra de esperança pode fazer toda a diferença, iluminando os dias mais sombrios e trazendo conforto aos corações aflitos. A esperança não é uma mera expectativa passiva, ela é ativa e transformadora. Quando falamos de esperança, estamos plantando sementes de otimismo e fé, que podem florescer e transformar realidades. Cada um de nós tem o poder de ser um portador de esperança, espalhando palavras e mensagens de encorajamento e mostrando que, apesar das provações, há sempre um caminho a seguir. 

Em nossas vidas, a esperança se manifesta de diversas formas: no sorriso de um amigo, no abraço caloroso de um ente querido, na beleza de um novo amanhecer, no sorriso maduro de um idoso. Esses pequenos sinais nos lembram que a vida está repleta de possibilidades e que, mesmo diante de tudo o que acontece, podemos encontrar motivos para acreditar em um futuro melhor. 

Que possamos todos, a cada dia, falar e testemunhar a esperança, para que ninguém esqueça que ela existe e que ela precisa estar em movimento. Ao fazer isso, não só mantemos viva essa chama em nossos próprios corações, mas também inspiramos os outros a acreditarem em dias melhores. Viver com esperança é viver com a certeza de que cada dia traz consigo muitas promessas de vida plena. 

Bênção! Paz & Bem! Santa Alegria! Abraço!


25 DE JUNHO DE 2024
CARPINEJAR

Nomes compostos

Meus pais têm nomes compostos, seus irmãos têm nomes compostos. Na família paterna, além de meu pai, Luiz Carlos Verzoni Nejar, há os tios Luiz Paulo Verzoni Nejar e Sady José Verzoni Nejar (in memoriam), e as tias Maria do Carmo Abott, Maria Cristina Nejar, Maria da Graça Nejar e Rosa Maria Nejar.

Do tronco materno, minha mãe é Maria Elisa Carpi, minha tia é Cléa Ana Carpi.

Os nomes das pessoas mais antigas são compridos como fazendas. São extensos como estradas. Carregava-se uma lógica genealógica de prefixos na família grande. Como um princípio de ordenação, de hierarquia do caçula ao primogênito.

Eu acho bonita a existência desses seres gêmeos de nome. Gêmeos do cartório. Você contava com um nome suplente. Um nome secreto. Um nome para ser guardado. Um nome para ser economizado.

A família chamava de um jeito, os amigos de outro. O trabalho destacava uma forma de nominação, a intimidade escolhia outra. Você desfrutava de uma versatilidade em diferentes ambientes. Não se enjoava de si, dispunha de mais de uma maneira de se declarar. Meu pai prefere o Carlos - o Luiz passa a ser o seu duplo escondido. Minha mãe privilegia a Maria - a Elisa é sua alma reservada.

Quem tem hoje três irmãos, e pensa que os pais exageraram na dose, não faz ideia da multidão de crias pela casa. Um quarto sozinho era uma sandice, um desejo nababesco, uma realidade impossível. Você se via dividindo as camas, os armários, os cadernos, os livros, as roupas, os brinquedos. Prevalecia uma reação de manada. O nome coletivo nem sempre facilitava. Quando um dos filhos era repreendido, todos olhavam.

A duplicidade não acontecia devido a um problema de memória dos pais, numa dificuldade de listar um por um da prole fértil, ou por indecisão sobre o significado dos nomes, ou por ausência de criatividade, ou num ato diplomático para compor dissidências e agradar a gregos e troianos. Tratava-se de um fundamento de sobrevivência do legado, assinalando uma homenagem a um parente - vô ou vó, bisavô ou bisavó.

Representava um artifício de perpetuação familiar. Havia a necessidade de preservar a memória sofrida dos antecessores, numa resistência genética a partir da escrita. Evitava-se a repetição dos nomes paterno e materno, com o acréscimo de Júnior, por exemplo. Procurava-se beneficiar gerações mais remotas.

O nome em comum correspondia também a um recurso para mitigar perdas. Diante da alta taxa de mortalidade infantil, nunca se sabia quem iria chegar à fase adulta.

Assim se criava uma dinastia de Luiz, ou João, ou Pedro, bem como uma escadinha de Maria ou Ana.

Observando com atenção os meus pais aos seus 85 anos, entendo cada vez mais o motivo de seus nomes numerosos. Foi providencial para o tamanho de suas tarefas. Nada veio fácil para eles. Tiveram que ser vários ao longo da vida, um exército de versões para se revezar na resiliência. Atravessaram uma guerra mundial, a Guerra Fria e as duas enchentes que devastaram Porto Alegre. _

CARPINEJAR

25 DE JUNHO DE 2024
EDITORIAL

EDITORIAL

É admirável constatar, quase dois meses após os gaúchos começarem a enfrentar a maior tragédia climática do Estado, o prosseguimento de grandes mobilizações de cidadania para amparar os mais necessitados. Uma nova demonstração de desprendimento foi vista no domingo, nos bairros Vila Farrapos e Humaitá, na zona norte da Capital, a região mais afetada pelos alagamentos na cidade. Dois mil voluntários se uniram para limpar 200 residências tomadas pelas águas e pela lama, algumas delas por semanas.

Os depoimentos dos moradores que receberam o auxílio são tocantes. Muitos, sob forte abalo emocional, pareciam estar paralisados, sem forças para iniciar a recuperação de suas residências, higienizar pertences que ainda poderiam ser aproveitados e jogar fora bens tornados imprestáveis. O mutirão, intitulado a maior faxina solidária do Rio Grande do Sul, também funcionou como uma injeção de ânimo para o recomeço, após a perda de grande parte de seus patrimônios.

A força-tarefa de limpeza foi mais um exemplo de união de esforços e colaboração entre a sociedade civil e o aparato estatal. A ação foi organizada pela plataforma gaúcha Meu Lar de Volta, que conecta quem precisa de ajuda com que está disposto a arregaçar as mangas e colaborar com pessoas que sequer conhecem. 

Além da população voluntária, tomaram parte da ação o Instituto Vakinha, a startup Trashin, o Grêmio, as Forças Armadas e o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). Marinha e Exército, além de veículos para o transporte de materiais, se somaram à tarefa com cerca de 300 militares participantes da Operação Taquari 2. A fabricante de produtos de limpeza Ypê doou 2,5 mil kits com itens para a faxina pesada.

Os voluntários escreveram um capítulo à parte na tragédia climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Foram milhares de heróis anônimos, gaúchos e pessoas de outros Estados, movidos apenas pelo impulso de ajudar, deixando de lado afazeres e o conforto de seus lares. Outros, apesar de atingidos pela inundação, não hesitaram em estender a mão aos seus semelhantes antes mesmo de se voltarem para resolver os próprios infortúnios.

Foram arrojados e incansáveis nas ações de resgate e salvamento de pessoas e animais, em cooperação com bombeiros, polícias e Forças Armadas. Depois, no amparo aos 80 mil desabrigados, que tiveram de se alojar em locais organizados às pressas. A mobilização de domingo mostra que, a despeito da fadiga, permanece intacta a disposição de doar tempo e esforço para amenizar a dor de outras pessoas.

De acordo com o Mapa Único do Plano Rio Grande, elaborado pelo Palácio Piratini, foram 283 mil domicílios atingidos pela enchente no Estado. Muitos que tiveram a casa inundada contaram com o auxílio de vizinhos, conhecidos ou de estranhos para terem outra vez seus lares em condições de moradia. A solidariedade será sempre lembrada como uma marca indelével da catástrofe de maio de 2024. 


25 DE JUNHO DE 2024
APÓS ENCHENTE - 
Fábio Schaffner

APÓS ENCHENTE

Oposição faz ofensiva para revogar medidas ambientais de Leite

Partidos protocolaram projetos para retomar dispositivos modificados. A alegação é de que as flexibilizações facilitam tragédias. Governo nega.

Na esteira das recentes tragédias climáticas que assolaram o Rio Grande do Sul, a oposição de esquerda ao governo Eduardo Leite pretende revogar medidas que flexibilizaram a legislação ambiental gaúcha. Quatro projetos de lei (PLs) protocolados por PT e PSOL na Assembleia Legislativa retomam a redação original do Código Ambiental, protegem o bioma pampa e autorizam o governo a criar instituto para gerir os recursos hídricos, entre outras mudanças (veja ao lado).

O principal foco está na extinção do autolicenciamento ambiental, na anulação da permissão para construção de barragens em áreas de preservação permanente (APPs) e na proibição de uso e venda de agrotóxicos que são proibidos no seu país de fabricação. As medidas foram aprovadas com ampla maioria pela base aliada e sancionadas por Leite.

Criticadas por ambientalistas, as três leis são objeto de ações diretas de inconstitucionalidade que estão tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF). Na última sexta-feira, o ministro Cristiano Zanin deu prazo de 10 dias para o governo se manifestar sobre a ação referente ao autolicenciamento.

Argumentos

Para o deputado Miguel Rossetto, vice-líder do PT, a recorrência com que o Estado tem sofrido com secas e enchentes demonstra a urgência de revisão da legislação ambiental:

- O Estado precisa voltar a discutir o ambiente. Éramos a vanguarda e agora somos o atraso na agenda ambiental.

Juntos, PT e PSOL esperam mobilizar entidades ambientais e movimentos sociais. Os partidos também vislumbram disposição para o diálogo no Palácio Piratini após as críticas recebidas pelo governador durante a enchente por causa da flexibilização de regras ambientais. Embora Leite não tenha incluído nenhuma entidade do setor entre as 169 representações que fazem parte do Conselho do Plano Rio Grande, concebido para ajudar na reconstrução do Estado, ele pediu sugestões à Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), uma das mais respeitadas instituições ecológicas do RS.

O líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP), diz que aguardará a chegada dos textos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa para definir uma posição.

- Ainda não tive tempo de analisá-los com calma, mas sei que toda e qualquer alteração feita nos últimos anos na legislação não teve efeito para causar o desequilíbrio climático que vimos agora no Estado - comenta. _

PL 174/2024

De autoria da bancada do PSOL, o texto revoga a extinção da Fundação Zoobotânica, o autolicenciamento ambiental e as leis das barragens e dos agrotóxicos.

PL 178/2024

De autoria do deputado Luiz Fernando Mainardi (PT), o projeto, além de revogar flexibilizações, cria novas regras para parcelamento do solo, proíbe empreendimentos imobiliários em áreas alagáveis e determina que os planos diretores municipais estejam em sintonia com o plano estadual de mudanças climáticas.

PL 179/2024

De autoria do deputado Luiz Fernando Mainardi (PT), estabelece proteções ao bioma pampa, como preservação de ao menos 20% da área de cada propriedade e prazo de um ano para o governo estabelecer lei específica com normas de uso e conservação.

PL 195/2024

De autoria do deputado Miguel Rossetto (PT), o projeto autoriza a criação do Instituto das Águas do Rio Grande do Sul, autarquia cuja atribuição seria gerir os recursos hídricos e implementar o plano das 25 bacias hidrográficas do Estado.

segunda-feira, 24 de junho de 2024


24 DE JUNHO DE 2024
CARPINEJAR

Freguesia invertida

Inverteu-se a freguesia. É a terceira vitória consecutiva do Inter em Gre-Nal, quebrando a escrita de uma década e entrando no G-6 do Brasileirão com dois jogos a menos. Virtualmente, poderia ser vice-líder.

Houve o típico gol de pebolim do clássico, naquele bate-bate para se confirmar o tento contra de Gustavo Nunes a partir de cabeçada de Vitão. Ainda existiu a possibilidade de ampliação do placar colorado com duas bolas seguidas na trave, de Wesley (junto de Alan Patrick, o grande nome do jogo) e de Aránguiz.

Na cigania, o Inter tem se adaptado melhor, com 10 pontos nas últimas cinco rodadas. Se aquele pênalti no último minuto a favor do Vitória não tivesse acontecido, Coudet estaria radiante. O batismo de fogo vem sendo improvisar com redução drástica de opções. É um período de resiliência a se superar, pois falta pouco para a retomada do Beira-Rio, restaurado em prazo recorde, e o retorno dos selecionados da Copa América.

No outro lado da gangorra, Grêmio se atola no Z-4, no fogo-fátuo da lanterna, com estapafúrdias seis derrotas sucessivas no certame nacional. É caso de UTI, de respirador, de guinada, de ruptura. Não há como confiar que é uma fase, muito menos acreditar no bordão otimista do rebaixamento: não tem time para cair.

Eduardo Coudet, numa condição hipotética de comandante do Grêmio, com o retrospecto de Renato Gaúcho na temporada, jamais sobreviveria, estaria de regresso à Argentina há alguns meses. Coudet chega a ser criticado e posto em dúvida apresentando 72% de aproveitamento, acumulando 20 vitórias e sofrendo somente quatro derrotas. Imagine se ostentasse os 55% de aproveitamento de Renato, com o triplo de derrotas (12).

Se o técnico gremista não fosse uma estátua, já teria sido trocado. Já teria sido sacrificado. Parece que Renato Gaúcho se tornou maior do que o Grêmio, a ponto de se duvidar da necessidade de sua dispensa.

Ruim com ele, pior sem ele - eis o que pensam os torcedores mais supersticiosos. Até porque na terceira queda para a B, em 2021, testemunhamos uma narrativa similar, de Renato começando o ano.

Partilha-se a concepção mágica de que ele possui algum trunfo na cartola e logo vai dar a volta por cima. Seu trunfo está machucado, Diego Costa, ou convocado, Soteldo. Não resta nenhuma força ofensiva. JP Galvão alcançou a proeza da abstinência total, um Tréllez tricolor. A bola foge dele.

O fiapo de esperança que segura Renato Gaúcho é o Fluminense fragilizado, adversário das oitavas de final da Libertadores, pois o plantel das Laranjeiras é uma sombra pálida daquele campeão da América - o típico caso da equipe que envelheceu mal.

Mas é um confronto que está marcado para longe. Ainda é distante. Ainda é remoto.

A tragédia se avizinha. O grande risco do presidente Alberto Guerra é a preservação da comissão técnica para início de agosto. Depois, uma recuperação talvez seja excessivamente inviável numa tabela impiedosa de pontos corridos.

Caso ocorra um tropeço, não existirá nem a justificativa para ter adotado a imobilidade, a ausência de reação administrativa. Tarefa complexa que desponta no horizonte do Humaitá, agravada pela demora da reforma da Arena.

Só a torcida perto, só a avalanche provocariam uma moderação da crise, mas não uma solução.

O tempo é inimigo do Grêmio. _

Se o técnico gremista não fosse

uma estátua,

já teria sido trocado. Já teria

sido sacrificado

CARPINEJAR

24 DE JUNHO DE 2024
CLAUDIA LAITANO

Três espelhos e uma reflexão

"Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro pra fora, outra que olha de fora para dentro." A frase está no conto O Espelho (1882), de Machado de Assis. O personagem, talvez vocês se lembrem, é um jovem alferes que se embriaga com a "alma exterior" que a nova função lhe confere, ou seja, a imagem de distinção que a farda projeta. No sentido inverso, sua alma de dentro parece encolher, até o ponto em que o rapaz só consegue ver a si mesmo no espelho, com nitidez, quando está fardado: "O alferes eliminou o homem".

Oitenta anos depois, outro conto intitulado O Espelho (1962), sobre outro jovem que perde a capacidade de ver sua própria imagem. Na história de Guimarães Rosa, o personagem se espanta com a discrepância entre o rosto externo, projetado no espelho, e uma "vera forma" que ele passa então a perseguir. Procura tanto que se perde completamente: o espelho já não reflete imagem nenhuma. Reduzido à "total desfigura", ele se pergunta: "Não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma?".

Entre os dois contos brasileiros, um romance italiano. A História de Um, Nenhum e Cem Mil (1926), de Luigi Pirandello, também começa diante de um espelho - e, à certa altura, por coincidência (imagino), fala de um "Deus de dentro" (a fé íntima) e de um "Deus de fora" (a Igreja). O jovem Vitangelo Moscarda está examinando o próprio rosto quando sua mulher observa que ele tem o nariz um pouco caído para a direita, detalhe que ele mesmo nunca havia notado. O incidente banal é suficiente para detonar uma crise existencial de grandes proporções. Quem afinal ele é? A pessoa que sempre pensou ser ou a que os outros veem?

E se cada pessoa que ele conhece o enxerga de uma forma diferente, quantas versões dele existem? E qual delas seria a verdadeira?

Escondida em um filme aparentemente despretensioso, Assassino por Acaso, de Richard Linklater, a resposta é que talvez não exista mesmo uma versão fixa daquilo que consideramos o nosso eu mais verdadeiro. A partir de uma história divertida, baseada no caso real de um homem que se fazia passar por matador de aluguel para prender pessoas interessadas em eliminar seus desafetos, Linklater reflete sobre a construção da personalidade e a noção de identidade. Resumo da ópera: se o universo não é fixo, você também não é. Apenas tente ser o que gostaria de ser - e se esforce para dar certo. _

Linklater reflete em seu filme sobre a construção da personalidade e a noção de identidade

CLAUDIA LAITANO

24 DE JUNHO DE 2024
PARA SORRIR

PARA SORRIR

Para sorrir

Deu pra ti Baixo Astral reúne sucessos locais

Festival

Iniciativa que começa hoje e vai até domingo leva música e 10 espetáculos para adultos e crianças ao Teatro CIEE-RS Banrisul, em Porto Alegre. A renda da bilheteria será revertida para profissionais da cultura afetados pela enchente, e as doações terão como destino instituições do Estado

A programação começa hoje e vai até o domingo, em Porto Alegre, no CIEE-RS Banrisul. A abertura, às 20h, será com o lançamento do videoclipe colaborativo da canção O Amanhã Colorido, de Duca Leindecker, que contou com o próprio compositor e nomes como Paulo Miklos, Valéria Barcellos e Humberto Gessinger. Ainda haverá show com artistas gaúchos tendo a Casa Torta como banda de apoio. A entrada para hoje é gratuita, com retirada de senhas pela Sympla.

O videoclipe e o show vieram da ideia do produtor cultural Edgar Ruther de fomentar o mais rápido possível o setor. Foi em uma conversa com o presidente do Banrisul, Fernando Lemos, que ele recebeu o apoio para o projeto, chamado Pra Poder Seguir. E mais: abraçar também outra iniciativa, Deu pra ti Baixo Astral. Assim, foi criado um trabalho unificado.

- Chega uma hora em que o músico que está sem tocar, assim como o artista de teatro que está sem atuar, precisa dessa renda para ir ao supermercado. A ideia do projeto é reverter a bilheteria para a classe, as instituições e muita gente que está no back- stage - explica Ruther.

Papel fundamental

CARLOS REDEL


24 DE JUNHO DE 2024
EDITORIAL

EDITORIAL

A compensação das perdas de ICMS

Aguarda-se que tenham uma boa evolução, nesta semana, as negociações entre o Palácio Piratini e o governo federal sobre compensações de perda de arrecadação de ICMS devido à paralisação de parte da economia gaúcha após a enchente de maio. É de interesse do Estado, mas também dos municípios, que têm direito a 25% dos recursos oriundos desse imposto. O tema deve ser tratado em uma reunião em Brasília entre o governador Eduardo Leite e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O governo gaúcho apurou que, de 1º de maio a 18 de junho, a receita de ICMS foi R$ 1,58 bilhão aquém do esperado. As estimativas apontam que, ao longo do ano, as perdas alcançariam R$ 10 bilhões. Assim, as prefeituras deixariam de receber R$ 2,5 bilhões. Deve-se acreditar que o governo federal, cumprindo com a promessa de auxiliar o Rio Grande do Sul, será sensível à demanda.

A despeito da arrecadação afetada pelas atividades econômicas prejudicadas e da destruição da infraestrutura, Estado e municípios seguem com as despesas ordinárias, como serviços básicos prestados à população, salários e aposentadorias. Foram acrescentados ainda gastos extraordinários surgidos com a tragédia climática. 

Deve-se lembrar que os recursos originados da suspensão da dívida do Estado com a União só podem ser usados para desembolsos de reconstrução, como a recomposição da infraestrutura. O governo gaúcho pede uma ajuda semelhante à adotada na pandemia. Propõe que, a cada dois meses, verifique-se a diferença da arrecadação efetivada com a de igual período de 2023, corrigida pela inflação. O que ficasse abaixo seria compensado pela União, uma espécie de seguro-receita.

Em entrevista ao jornal Valor, na semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, apresentou uma perspectiva diferente. Apesar de assegurar boa vontade do Planalto e admitir estudos para auxiliar o Estado, avaliou que a economia gaúcha terá uma recuperação acelerada no segundo semestre devido ao estímulo da reconstrução e aos recursos transferidos às pessoas físicas. Assim, o efeito no PIB, ao fim, seria nulo. E a arrecadação perdida nos primeiros meses seria recuperada. Se mesmo assim existisse uma diferença no encerramento do ano, a compensação seria feita de alguma forma.

Trata-se de uma visão bastante otimista. Caso se confirmasse, seria um cenário extraordinário. Mas é preciso lembrar que, quase dois meses após o início da enchente, persistem dificuldades logísticas, estradas seguem interrompidas e um grande número de empresas de regiões importantes está longe de voltar a operar normalmente. A incógnita sobre quando o aeroporto Salgado Filho será reaberto é outro elemento a elevar as incertezas de uma série de setores relevantes.

Os compromissos do Estado e dos municípios gaúchos, porém, não esperam e batem à porta a cada mês. É o que o governo federal deve considerar para não tardar com uma ajuda de curto prazo. 


24 DE JUNHO DE 2024
QUEDA DE BRAÇO

QUEDA DE BRAÇO

Agenda conservadora testa força do governo Lula no Congresso

Derrotas refletem pauta de costumes da maioria conservadora da Câmara dos Deputados e do Senado e as divisões internas nos partidos. Com menor base aliada desde a redemocratização, governo espera fortalecer articulação com mudanças no Ministério previstas para a virada do ano.

A aparente fragilidade não se traduz na pauta econômica, aprovada quase sempre com ampla maioria, mas reflete dificuldade contumaz na articulação política do governo federal, com elevado grau de traições nos partidos aliados.

A atual sensação de crise deve refluir nos próximos dias, com o esvaziamento do Congresso pelas festas juninas no Nordeste e os preparativos para a eleição municipal. A médio prazo, a pacificação vislumbrada nos corredores do Palácio do Planalto passa por uma arquitetura política que conduza Arthur Lira (PP-AL) à Esplanada dos Ministérios e eleja ao comando da Câmara e do Senado parlamentares mais alinhados ao governo.

Atual presidente da Câmara, Lira representa a dualidade enfrentada pelos articuladores do governo. Com enorme influência sobre os pares, sobretudo sobre integrantes das bancadas de direita e do centrão, manobra a pauta e o regimento para pressionar e constranger o Planalto. Criando dificuldades para oferecer facilidades, dá vazão a medidas econômicas, mas freia pautas identitárias, ao mesmo tempo em que acelera projetos de viés conservador. Por vezes, é obrigado a recuar, como no projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio.

Para fugir dessas armadilhas, o governo costura acordo segundo o qual não apresenta candidato à presidência da Câmara, deixando Lira indicar o sucessor. Na sequência, leva o alagoano para a Esplanada. Nos bastidores, cogita-se o Ministério das Comunicações, pasta afeita às ambições de Lira por causa da capilaridade política e da proximidade com o poder, atributos que necessita para pavimentar o caminho ao Senado em 2026.

Juscelino

FÁBIO SCHAFFNER

24 DE JUNHO DE 2024
POLÍTICA E PODER

General Câmara pede pressa à União para usar casas vazias

O alarido de deputados federais adeptos da desinformação pode levar algum desavisado a acreditar que, de fato, o Rio Grande do Sul manda mais de R$ 63 bilhões para o governo federal e só recebe R$ 26 bilhões (os números variam de acordo com o interlocutor). Essa conta só faria sentido se o Estado e os municípios fossem responsáveis por 100% das políticas públicas, mas a responsabilidade é compartilhada.

É fato que o sistema tributário brasileiro é centralizador e que a União fica com a maior fatia do bolo, mas não se pode pensar apenas no que retorna via Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM).

Na conta do que a União repassa ao Rio Grande do Sul, é preciso considerar o pagamento de toda a massa de aposentados do INSS, os gastos com o Sistema Único de Saúde, aqui incluindo investimentos no Grupo Hospitalar Conceição e no Clínicas, as vacinas e os medicamentos especiais, o custeio das universidades e institutos federais, o subsídio ao crédito agrícola, os salários da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, a Embrapa, as Forças Armadas que atuam no Estado em tempos normais e em casos de calamidade, entre outros. Não se pode imaginar que vem de outro lugar que não dos impostos o dinheiro para projetos habitacionais em que as famílias pagam valores simbólicos.

Fundos especiais

A reclamação dos governadores do Sul e do Sudeste em relação ao que consideram privilégios do Norte e do Nordeste decorre da existência de fundos criados para garantir investimentos em regiões mais deprimidas.

Isso não significa dar crédito à afirmação de que Sul e Sudeste "sustentam os nordestinos", como dizem os preconceituosos. Boa parte da receita de impostos federais atribuída a São Paulo, por exemplo, cai nessa conta porque a sede dos grandes bancos e empresas fica no Estado mais rico do país, embora os consumidores sejam de diferentes Estados da federação. _

Valeu a pena a persistência do prefeito Helton Barreto (PP), de General Câmara: depois de mais de 30 dias de insistência para que a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) liberasse as 25 casas que estão disponíveis no município para abrigar desalojados pela enchente, surgiu uma luz no fim do túnel.

A SPU e a Caixa foram à cidade fazer a vistoria para liberar as unidades e prometeram autorizar a ocupação. A enchente destruiu 108 casas no município, e 40 famílias ainda precisam ser realocadas.

As residências foram construídas para moradia de militares quando a cidade passou a abrigar o Arsenal de Guerra. _

POLÍTICA E PODER

sábado, 22 de junho de 2024

18/06/2024 - 15h38min
J. J. CAMARGO 

Morrer é nunca mais estar com os amigos

A leitura de uma obra pouco reverenciada de García Márquez me trouxe uma valiosa lição

"Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia." (José Saramago)

De vez em quando uma revisita a Gabriel García Márquez é uma experiência rica em novas descobertas e muitas confirmações. Uma das suas heranças literárias menos reverenciadas é Doce Cuentos Peregrinos. Da primeira leitura, não lembro de nenhum daqueles contos como marcante, talvez porque durante muito tempo fiquei empacado na introdução, tão maravilhosa que Gabo poderia ter parado por ali e a edição já estaria justificada. 

Nela, Gabo conta um sonho que tivera em Barcelona, durante um tempo de autoexílio que passou por lá. Ele sonhou com a própria morte e, durante o velório e enterro, acolheu os melhores amigos sul-americanos, dos quais ele tinha muita saudade. No seu sonho, eles estavam todos muito elegantes, vestidos a rigor, e felizes de estarem juntos outra vez. Comeram, beberam, repassaram as melhores histórias, riram, choraram de rir e, por fim, de pura emoção.

Descobri logo que ele era uma referência afetiva sempre que algum acadêmico se dispusesse a falar sobre bom humor, afeto espontâneo e entusiasmo por viver.

No final da tarde quente de Barcelona, quando se preparavam para voltar, Gabo ainda continuava abraçado com eles, quando foi advertido que não podia acompanhá-los porque ele tinha morrido. Confessou então ter aprendido nesse momento o que significa morrer: é nunca mais estar com os amigos.

Essa proposta original do que significa morrer mexeu muito comigo.

Passados pelo menos 12 anos, provavelmente estimulado por um passeio recente pelo meu arquivo correspondência afetuosa, sonhei que almoçava em um restaurante próximo à Academia Nacional de Medicina com o querido professor Orlando Marques Vieira. Meu encantamento pelo professor começou na visita acadêmica, um ritual que precisa ser cumprido por todos os pretendentes a uma vaga como membro titular da Academia Nacional de Medicina. Quando liguei para agendar a visita, Orlando pediu que o encontrasse na sede do Colégio Brasileiro dos Cirurgiões, então presidido por ele.

No início da conversa, ele comentou: "Então teremos mais um gaúcho na Academia. E gaúcho de Porto Alegre?". Respondi: "Não, professor, eu nasci em Vacaria". E a conversa mudou de rumo: "Então você não vai estar sozinho na Academia. Numa viagem de carro para o sul, eu me encantei com os Campos de Cima da Serra, e dormi na tua Vacaria".

Pronto: o gelo estava quebrado, e como se fôssemos velhos amigos, seguimos conversando. Muitas vezes, quando nos saudávamos na Academia ele perguntava como andava a nossa Vacaria.

Descobri logo que ele era uma referência afetiva sempre que algum acadêmico se dispusesse a falar sobre bom humor, afeto espontâneo e entusiasmo por viver, fosse qual fosse a motivação da conversa.

No sonho, eu lhe contava de um simpósio que estou preparando na Seção de Cirurgia e que envolve a seleção das perguntas de mais difícil resposta, mesmo na opinião desse grupo de médicos experientes e bem resolvidos.

Como era previsível, as perguntas mais desconcertantes, seguidas das respostas mais inteligentes, brotavam da experiência de exercer a medicina durante décadas, movidos pela insaciável gratificação de cuidar do outro. O projeto é transformar esses relatos numa espécie de manual para os jovens médicos, que em geral fogem das perguntas mais difíceis por não saber como respondê-las.

Quando terminou o almoço do sonho, e o convidei para irmos para a Academia, como fizemos tantas vezes, ele me disse que infelizmente não poderia me acompanhar porque estava morto. E então, com o sorriso debochado que era a sua marca, me confidenciou: "Uma pena eu não poder participar deste teu simpósio, porque eu teria cada pergunta".

Eu sei que sim, professor, e tenho a dolorosa noção do quanto perdemos.

13/06/2024 - 11h23min

J. J. CAMARGO

Fazer coro com quem clasificou a velhice como “a melhor idade” é brincadeira de mau gosto.

"A despeito de todo progresso da medicina, ainda não há cura para um simples aniversário."  (Senador John Glenn, EUA)

Apesar do empenho que fazemos pela longevidade, ela é completamente imprevisível. E contrapondo-se à recomendação de vivermos disciplinadamente, o que significará muitas privações, envelhecer não é uma boa ideia. Só é festejada porque a alternativa, com tudo o que tem de definitivo, consegue ser pior. Muito pior.

Mas sentir-se velho e fazer coro com quem classificou a velhice como "a melhor idade" é no mínimo uma brincadeira de mau gosto. Se anunciada com insistência, já autorizaria submeter o sujeito à realização de exames específicos para avaliar a extensão do problema (mas não há o que temer, são procedimentos de imagem, indolores, tendo como único inconveniente o ruído da máquina, tratado preventivamente com protetores de ouvido).

Claro que essa recomendação não serve se você for médico, porque significaria estar à cata de uma dupla flagelação: eventualmente descobrir uma doença degenerativa, que com sorte pode ser lenta, mas será sempre progressiva, e tornar pública sua ignorância de que, se a ressonância mostrar umas tais manchas amarelas, não há objetivamente nada para oferecer, nem ao menos para desacelerar o processo.

No reencontro de dois velhos, especialmente depois de um tempo afastados, há uma disputa acirrada quando, no limite do ridículo, cada um tenta mostrar um desempenho físico/mental extraordinário, fingindo-se de modesto felizardo.

Na profilaxia da depressão diante da evidente decrepitude, recomenda-se fortemente a negação, que ao longo de toda a vida é considerada uma saída honrosa para a maioria dos nossos fiascos e desencantos, e deve ser escudada como uma valiosa reserva técnica na preservação da autoestima, ou o que sobrou dela.

No reencontro de dois velhos, especialmente depois de um tempo afastados, há uma disputa acirrada quando, no limite do ridículo, cada um tenta mostrar um desempenho físico/mental extraordinário, fingindo-se de modesto felizardo. Nesta condição, em reunião social, alguns conselhos são preciosos na prevenção de danos emocionais ou apelidos jocosos:

1) Não sente em sofás macios. Preserve em segredo quantos embalos você precisa para ficar em pé.

2) Na conversa em grupo, não force aparentar um super liberal na subversão dos costumes. Lembre-se que pode haver no grupo conhecidos antigos, que comentarão que você está muito mudado, o que na velhice é péssimo.

3) Não tente parecer espirituoso sem se assegurar de que lembra o final da piada.

4) Não se queixe do passado perdido, quando não houver mais tempo de mudar nada.

5) Se uma mulher jovem passar por perto, olhe noutra direção e evite qualquer comentário sobre a beleza, ou melhor, evite qualquer comentário. Lembre-se que o silêncio é um desvão estreito, onde a dignidade se esconde.

6) Evite falar de sexo, porque a sua plateia de veteranos estará dividida entre os que vão te achar inconveniente e os que te acharão mentiroso.

06/06/2024 - 12h49min
J. J. CAMARGO

As perdas na infância doem mais

Pais precisam ter tempo e sensibilidade para ouvir os filhos. Senão a narrativa própria pode ser pior do que a realidade

"Quando era criança, meu avô segurava a minha mão. Depois que envelheci, nunca mais soltei a mão dele." (Affonso Tarantino)

Verdade que, se conservássemos intactas a inocência e a ingenuidade das crianças, naufragaríamos no mundo hostil e competitivo que a idade madura nos reserva. Mas seria ótimo que, num mundo ideal, pudéssemos evitar essa "evolução" que, com o rótulo de maturidade, nos embrutece.

Por fantasia, as crianças têm pressa em se tornarem adultos, porque ignoram as maravilhas que deixarão pelo caminho. E os pais, que festejavam vê-los adolescentes responsáveis, logo descobrirão que a partir da conquista da autonomia pela prole toda a contribuição deles estará limitada à torcida silenciosa para que as crias deem certo e, por favor, não repitam todos os erros que cometemos. 

Os relatos que se seguem poderão ser entendidos como uma exaltação à espécie humana, na sua condição mais pura, a infância. 

Circulando por um abrigo da prefeitura, onde se acomodavam quase 200 flagelados da enchente, surpreendi um menino com um peixinho morto num copo d'água, que ele segurava com as duas mãozinhas de unhas sujas. O peixe, trazido pela enxurrada, tinha sido lavado da lama, e colocado num copo de água limpa. De quando em quando, ele cutucava o dorso do peixinho, na expectativa de que ele reagisse, e a falta de resposta explicava a tristeza do olhar quando ele perguntou: "A gente não pode soltar a mão da mãe, não é, tio?". Fiquei imaginando quantas vezes aquele pingo de gente ouviu essa recomendação desesperada enquanto eram resgatados da correnteza, na noite escura.

Um casal porto-alegrense, com a filha de quatro anos, abandonou o caos em que se transformou a cidade. Foram se refugiar no sossego da casa da praia. No segundo dia, impressionado com o silêncio que contrastava com o burburinho da cidade agitada pelo ruído frenético dos helicópteros e da sirene das ambulâncias, a garotinha comentou: "Acho que agora as pessoas pararam de morrer".

Mário Corso, que contou essa história com sua sensibilidade habitual, reforçou a importância de que os pais tenham tempo e sensibilidade para ouvir os filhos, porque senão eles construirão uma narrativa própria, com frequência pior do que a realidade. Nesta história, foi redentora a informação dos pais ao explicarem à filhota que o ruído na cidade, na verdade, significava que pessoas estavam sendo salvas. Com essa mensagem, o luto inevitável depois de qualquer perda se encerrará com a euforia do fim da catástrofe. E sem recaídas.

O menino, na solidão multiplicada pela orfandade, fantasiava que a morte era o único jeito de reencontrar o pai.

Em contraste, a persistência das fantasias ficou reverberando no Duda, um garotinho que, na fragilidade emocional de seus oito aninhos, viveu o horror da orfandade com a morte do pai num acidente, justo na idade em que o pai é o super-herói insubstituível. Tempos depois, caiu do telhado, fez um trauma abdominal severo, foi operado às pressas pelo doutor Octávio Vaz, um brilhante cirurgião carioca, e se recuperou rapidamente.

Passou a ser acompanhado no ambulatório pelo cirurgião que se encantara com a inteligência luminosa escondida atrás daquela carinha linda. Numa dessas revisões, a mãe confessou ao doutor Octavio estar preocupada com a frequência com que o Duda vinha sofrendo acidentes de gravidades variáveis. Levantada a suspeita pela percepção de um médico sensível, o Duda foi encaminhado a uma psicóloga. E então, o distúrbio emocional, sequela torturante de um luto não resolvido, escancarou-se: o menino, na solidão multiplicada pela orfandade, fantasiava que a morte era o único jeito de reencontrar o pai. 

Envelhecer só é festejado porque a alternativa consegue ser pior. Na profilaxia da depressão diante da evidente decrepitude, recomenda-se fortemente a negação

29/05/2024 - 12h02min
J J. CAMARGO

Tragédias desnudam os cruéis e os generosos

Eventos extremos colocam na vitrine nossos defeitos e nossas virtudes. Por alguma razão, ficamos mais chocados com os nossos defeitos do que encantados com as nossas virtudes

"Seja você mesmo. Todos os outros já existem." (Oscar Wilde)

Há uma mistura de inocência e boa-fé para justificar a tendência de se atribuir às grandes tragédias a capacidade de modificar a índole dos envolvidos.

Na verdade, as catástrofes não conseguem mais do que colocar na vitrine nossos defeitos e nossas virtudes. E, por alguma razão, ficamos mais chocados com os nossos defeitos do que encantados com as nossas virtudes.

Os cruéis e os generosos não se fizeram assim por influências externas circunstanciais. Eles já estavam prontos desde sempre, à espera de um acontecimento extremo que os desnudassem. E então, com igual naturalidade, os apresentasse ao mundo para espanto dos ingênuos e compensação silenciosa dos que já não se surpreendem mais porque viveram o suficiente  para antecipar reações em condições adversas.

O grande mérito da internet é garantir pernas curtas à mentira.

Quanto mais inesperado for um evento, mais eficiente será como gatilho revelador do caráter de cada um, porque retira a possibilidade de que o mau pareça bom, o que exigiria um tempo para ensaiar uma postura que seja minimamente convincente de uma virtude que não existe.

Mas mesmo com atitudes planejadas os falsos virtuosos correm o permanente risco de desmascaramento, porque sempre haverá alguém para desarquivar uma fala ou um vídeo, sempre haverá delatores.

Muito se tem criticado as redes sociais, que, fomentadas pelos mais variados modelos de sociopatia, se transformaram numa espécie de divã coletivo de uma sociedade que se esmera em renunciar aos valores básicos do convívio civilizado. Mas isso não obscurece o grande mérito da internet: garantir pernas curtas à mentira.

O arquivo virtual de tudo que dissemos, pensamos ou fingimos devia, pelo menos  teoricamente, tornar o nosso mundinho num lugar mais confiável, mas essa expectativa otimista subestima a cara dura dos cínicos, que sempre podem argumentar que aquilo dito foi retirado de um outro contexto. Esses argumentos mais chateiam do que convencem, por subestimarem a inteligência mediana das pessoas.

No meio de uma catástrofe como a que estamos vivendo, creio que nada é mais eficiente na identificação do caráter do que a emoção, um sentimento tão exigente de autenticidade, que até na arte da interpretação rapidamente se define os que nunca serão mais do que comediantes medíocres.

Parece também ingênua a pretensão de amestrá-los, com a tola intenção de ostentar solidariedade com o pesadelo coletivo, se no meio do discurso vazio os tipos não conseguem resistir à tentação de fazer uma graça, ignorando que não há nada mais inesquecível do que a desconsideração no sofrimento.

22/05/2024 - 13h45min
J. J. CAMARGO 

Como seremos depois da enchente?

Felizmente, os imprestáveis, por serem barulhentos, dão a falsa impressão de majoritários, mas são, e sempre serão, insignificantes

"A coragem é a maior das virtudes humanas porque garante todas as outras." (Winston Churchill)

Tenho dúvidas se sairemos melhores desta catástrofe, mas tenho certeza de que sairemos diferentes. E que ninguém que tenha tido a sorte de ser poupado pretenda recomeçar a vida como se nada tivesse acontecido.

Foi uma prova agressiva demais para ser considerada como uma mera intercorrência na vidinha monótona, da qual nos queixávamos por não saber valorizar a mesmice serena e previsível de um dia a dia, sem sobressaltos.

Entre ególatras e flagelados, aparecem as diferenças de humanismo, maturidade e resiliência.

Claro que aqueles que moram fora das zonas de risco não podem ser comparados aos traumatizados que viram a vida sendo arrastada pela correnteza feroz. Mas, no contexto geral, resultaram duas populações distintas: a dos que foram resgatados da avalanche de águas fétidas e agradeciam sem parar, e a dos que se queixaram da falta de água e de luz, e quando uma voltou antes da outra, tiveram que se submeter (veja só!) à tortura desumana de um banho frio. É exatamente nessa discrepância abismal de atitudes entre ególatras e flagelados que começam a aparecer as diferenças de humanismo, maturidade e resiliência.

Essa, aliás, é uma das habilidades marcantes das grandes tragédias: a separação entre os que saem de casa em busca de algum voluntariado que lhes atenue a sensação de impotência e os que fixam o olhar no único umbigo que lhes interessa. Como o caráter de cada um tem um gatilho muito rápido para revelar o portador, chama a atenção a disponibilidade dos bons para contribuir, assim como o surgimento dos oportunistas, que só pensam em aproveitar qualquer holofote para aparecer. Um exemplo é o autor de um bizarro comício em torno de um purificador de água, que o divulgou empolgado e ofereceu à claque que o rodeava mas, descuidado, não bebeu antes que o vídeo terminasse.

Como a diversidade é uma marca da espécie, começaram a surgir algumas excrescências, como a dos que nada fazendo se irritam com quem o faça. E há uma variante patética, a dos que esbravejaram de uma indignação que parecia sincera ao saberem que uma milionária fretara um avião para trazer alimentos, quando, na opinião oligofrênica do obtuso, devia ter usado o dinheiro gasto com esse aluguel para contratar uma frota de caminhões, mesmo que isso obrigasse a fome dos incautos a um alongamento do jejum já insustentável.

A desgraça macroscópica já devia ser suficiente, não precisava de tantos requintes de crueldade. Não há como não se deprimir com gente assaltando voluntários, e voluntários sumindo com doações, e o pobre dependente químico escolhendo os donativos mais valiosos para trocar por crack na saída do ginásio.

Quando o caos consegue ser também moral, nosso ânimo esmorece. E isso explica o despertar nas madrugadas de um sono mal resolvido, só para confirmar que não foi um pesadelo, aquilo está mesmo acontecendo. Tempos difíceis de levantar toda manhã e sair para a vida, essa que não precisava ser sempre tão real.

Felizmente, os imprestáveis, por serem barulhentos, dão a falsa impressão de majoritários, mas são, e sempre serão, insignificantes. Então, fiquemos com as coisas boas, como a atitude comovente do Atlético-MG que encheu sua arena com torcedores que naquele dia deveriam assistir ao jogo com o Grêmio, e vendeu ingressos para 36 mil mineiros, dispostos a ajudar gaúchos flagelados, que nunca terão a chance de abraçá-los em agradecimento. Ou com  Wilson Paim, que com a sensibilidade incomparável do seu poema/oração, colocou o Rio Grande inteiro a lacrimejar.

Felizmente, nós gaúchos somos muito mais do que as coisas ruins que nos acontecem, e, forjados num histórico de lutas, é certo que sairemos dessa. Do nosso jeito gaudério, de braços dados, silenciosos e tristes, mas agradecidos e confiantes de que a velha garra charrua que nos trouxe até aqui, essa nenhuma correnteza arrastará.

Gol anuncia mais voos em Canoas, Caxias do Sul e Pelotas

Gol vai passar de nove para 13 voos semanais na Base de Canoas, alternativa ao Salgado Filho
Gol vai passar de nove para 13 voos semanais na Base de Canoas, alternativa ao Salgado Filho

Depois de Azul e Latam, agora é a vez da Gol ampliar seus voos na Base Aérea de Canoas (Baco), que virou alternativa ao fechamento do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. O complexo está fora de operação desde 3 de maio, ainda sem data certa para retornar novos voos da Gol na Baco começam em 15 de julho. Além disso, a aérea informou, nesta quinta-feira (20), que ofertará mais voos em Caxias do Sul e Pelotas.

A frequência da aérea na cidade da Região Metropolitana vai passar dos atuais nove voos semanais diretos, que estrearam em 1º de junho, para 13 voos semanais. Serão quatro novas operações de ida e volta ligando Canoas ao Aeroporto de Congonhas na capital paulista. Até agora, os voos são para o Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Os voos na Baco passam a usar a janela noturna, autorizada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que também possibilitou a expansão das outras duas concorrentes. A Gol vai voar às terças, quartas, quintas e aos domingos entre Congonhas e Canoas, com partida de São Paulo às 17h35min e decolagem da cidade gaúcha, às 19h05min.

Latam amplia a operação em 30 de junho, com mais quatro voos semanais (oito ida e volta), e a Azul entra com o terceiro voo em 1º de julho, com mais quatro voos na semana, oito nos dis sentidos. No total, as três empresas terão 12 voos semanais a mais (24 considerando so dois sentidos).

Os embarques estão ocorrendo no terminal provisório montado no ParkCanoas Shopping. Os passageiros fazem o check-in no local e depois são levados de ônibus até a Baco. A orientação é que as pessoas cheguem três horas antes da decolagem.

Anac autorizou até 10 voos diários na Baco. Com as expansões anunciadas, ainda não se chega no teto e também não se tem mesmo número diariamente. Com isso, Canoas supre pequena parte do fluxo do Salgado Filho, que era de uma média de 140 a 150 voos diários.

Sobre o retorno do complexo da Capital, concessionária Fraport Brasil e governo federal falaram até agora em prazo até fim de dezembro. Mas a reabertura depende de diagnóstico da Fraport, prometido até meados de julho, e recomposição da pista e de equipamentos.

A expansão da operação da Gol no aeroporto de Caxias do Sul começa em agosto. De um voo diário para Congonhas, a aérea vai adicionar dois voos. A partir de 5 de agosto, entra a segunda ligação, e, no dia 12, a terceira frequência, segundo a companhia.
Em Pelotas, a Gol eleva em junho ainda a frequência de três para quatro voos semanais no Aeroporto Internacional João Simões Lopes Neto. De agosto até o fim de outubro, a frequência passará a seis dias, de domingo a sexta, com ligação para Guarulhos.
"O aumento da oferta de voos é de extrema importância para o resgate da força logística no Rio Grande do Sul. Os novos voos serão também cruciais para o incremento do transporte de cargas", destaca, em nota, Rafael Araújo, diretor executivo de Planejamento da Gol.
As operações nas três cidades são feitas com Boeing 737, com capacidade para 186 passageiros. A venda de passagens já está sendo feita, diz a Gol.